Se retirarmos o efeito Novobanco dos dados, as fusões e aquisições (M&A) em Portugal continuam a cair. Porque é que isto acontece?
O decréscimo da atividade de M&A em Portugal durante o ano de 2025 não é um fenómeno local. Esta tendência também ocorreu num plano mais global, incluindo nas principais economias europeias, como a Alemanha e a França.
Um dos principais fatores a nível internacional prende-se com o clima de incerteza económica, marcado pela persistência do nível relativamente elevado de taxas de juro e o aumento de tarifas e medidas protecionistas, com a potencial pressão inflacionista daí decorrente. Mas também a incerteza geopolítica atual – que inclui o risco de novos conflitos, com impacto negativo nas cadeias de fornecimento – é um fator primordial para a desaceleração do M&A.
Este clima de volatilidade manteve – ou porventura agravou – o valuation gap que já se denotava em 2024 entre vendedores e compradores, com o consequente condicionamento e adiamento das decisões de investimento e desinvestimento.
No plano interno, a instabilidade política, com a queda do governo e eleições legislativas que não resultaram numa maioria (consideravelmente mais) estável, atrasou processos relevantes, como a privatização parcial da TAP, cuja conclusão está prevista para o final de 2026.
Mas existe um pipeline robusto de operações em preparação. O que falta para que se concretizem?
A superação – ou integração – dos riscos e fatores que mencionei.
O valuation gap entre vendedores e compradores é um dos principais fatores a ultrapassar. Este desalinhamento de expectativas de preço tem contribuído para uma postura mais cautelosa e expectante dos dois lados, tornando os processos de negociação mais lentos e incertos. Mecanismos de preço contingente (earn-out) ou venda faseada têm vindo a ser ferramentas úteis para mitigar este desalinhamento, mas não têm sido uma solução universal.
Especificamente em relação aos fundos de private equity, que têm sido um dos principais catalisadores do mercado de M&A, estes costumam ter um período definido para investimento e desinvestimento. Embora, compreensivelmente, alinhados com a cautela do resto do mercado, os constrangimentos temporais e pressão dos investidores para alocar capital ou a receber distribuições poderá levá-los a ultrapassar a postura mais expectante, com acumulação de dry poder, e começar a implementar as operações de investimento e desinvestimento que têm no pipeline.
Como pode ser melhorado o contexto regulatório e fiscal para que o mercado se desenvolva mais?
O desafio é encontrar um equilíbrio eficaz entre necessidades de regulação – por exemplo em setores económicos regulados, em matéria de concorrência, ou em áreas em voga como AI e cibersegurança – e a agilidade que as empresas precisam para competir e crescer nos mercados internacionais, sem burocracias e entropias excessivas.
Em Portugal, continua a existir um enquadramento regulatório e fiscal que tem como principal foco beneficiar o tecido empresarial das micro e pequenas empresas. A intenção é positiva, mas tem o efeito perverso de dissuadir a criação e consolidação de empresas de maior dimensão, capazes de competir nos mercados internacionais.
Especificamente em termos de regime fiscal aplicável à transmissão de participações sociais, não me parece que o sistema português seja pouco competitivo: a título de exemplo, existe um regime fiscal de participation exemption aplicável a sociedades que vendam participações sociais em determinadas condições, bem como um regime fiscal favorável aplicável a pessoas singulares que vendam participações em micro ou pequenas empresas ou exerçam stock options em start-ups.
Já no que respeita ao enquadramento regulatório, parece-me que se justifica um maior investimento nos recursos humanos e técnicos das autoridades regulatórias e supervisores, para tornar os processos mais céleres e transparentes, mas também para fomentar uma postura mais pragmática. Este investimento permitiria também que os reguladores sinalizassem numa fase inicial as principais preocupações e medidas a acolher pelas partes, para aprovação da transação.
O mesmo é extensível à autoridade tributária [AT]: também se justifica um maior investimento nos recursos humanos e técnicos, para assegurar não só timings de resposta mais razoáveis, mas também, por exemplo, o cumprimento, por parte da AT, das correntes jurisprudenciais, evitando assim litígios desnecessários, que causam incerteza e custos.
Que setores estão mais ativos, além do imobiliário, claro?
Além do imobiliário, destacam-se o setor tecnológico – software, IA e cibersegurança –, o turismo e as energias renováveis.
Em private equity, sobressaíram também os setores industriais, da saúde e retalho, em que têm existido alguns movimentos de buy and build – em que fundos de private equity investem primeiro numa empresa de um determinado setor, que por sua vez entra numa estratégia de crescimento que passa por adquirir outras empresas do setor.
Outros dois setores em que nos últimos anos temos visto um apetite de investidores estrangeiros é o setor da educação privada e o setor de agribusiness.
Face aos desenvolvimentos geopolíticos, é previsível que o setor da defesa tenha um crescimento relevante e se torne apetecível na área de M&A e private equity, com um aumento da produção de equipamentos de uso dual,militar e civi), tanto no plano da criação de projetos de investimento novos – greenfield –, como na transformação de projetos industriais existentes, como por exemplo os setores automóvel e têxtil.
Que tipo de operações são preponderantes e com que financiamento?
Temos assistido nos últimos anos a uma afirmação crescente de cláusulas de earn-out e de vendas faseadas. Nas cláusulas de earn-out, a participação social transmitida pode vir a beneficiar de um aumento de preço, caso a empresa atinja um indicador mínimo de desempenho comercial ou financeiro, por exemplo, o EBITDA. Por sua vez, nas aquisições faseadas, na fase inicial o comprador adquire usualmente uma participação maioritária, permanecendo os vendedores – ou alguns destes, tipicamente com responsabilidades de gestão – como acionistas minoritários na empresa, com a celebração de um acordo que regula a venda futura das participações dos acionistas minoritários, sendo o preço indexado ao desempenho da empresa na altura da venda.
O financiamento é pelo menos parcialmente efetuado por via de capitais próprios, sendo o remanescente financiado por financiamento bancário ou por fontes alternativas de financiamento, como fundos de créditos.
Como advogado ativo no M&A no setor da tecnologia, tenho assistido a um número crescente de transações em que o preço é efetuado parcialmente em dinheiro, sendo outra parte paga por via da emissão de ações na compradora a favor dos acionistas da empresa vendida. Esta estrutura responde aos desafios de financiamento na conjuntura atual e permite aos vendedores beneficiar do crescimento futuro da compradora.
Os private equity têm assumido um papel mais relevante em Portugal, mas as operações disponíveis ainda são reduzidas para aliciar os grandes players. É assim? Há possibilidade de mudar?
A dimensão reduzida das empresas portuguesas é uma característica estrutural da economia portuguesa – sendo a maioria esmagadora micro ou pequenas empresas.
A dimensão reduzida do tecido empresarial português limita o número de investimentos de grandes fundos de private equity internacionais, cujos montantes mínimos de investimento são elevados e acima dos valores tipicamente praticados no mercado de private equity e M&A em Portugal. No entanto, têm existido alguns casos de empresas que integram o portfólio destes fundos a adquirir PME portuguesas.
Por outro lado, temos assistido a alguns casos de buy-and-build no mercado nacional iniciados por fundos de private equity nacionais, que levarão a uma maior consolidação em determinados setores e poderão suscitar um interesse mais acentuado dos grandes players internacionais.
Falamos muito na necessidade de concentração em alguns setores na Europa, como as telecomunicações ou a banca. Vê estes movimentos a acontecer em breve?
A consolidação de players em setores estratégicos excessivamente fragmentados, como a banca, telecomunicações ou aviação, é encarada como um fator-chave para a competitividade da economia europeia. Pelo que é provável que venhamos a assistir brevemente a mais transações nesse sentido.
Na banca portuguesa já assistimos à compra do Eurobic pelo Abanca em 2024, e a conclusão da aquisição do Novo Banco pelo BPCE está prevista para o início de 2026.
Na aviação, este movimento também está em curso, com algumas transações para consolidação do setor na Europa, como a aquisição pela Lufthansa de uma participação na ITA Airlines ou o aumento da participação da AIR France KLM na SAS, ambas em 2025. De notar ainda que os três concorrentes que manifestaram formalmente o seu interesse na privatização da TAP são grupos europeus: Air France / KLM, IAG e Lufthansa.
Que perspetivas tem para o M&A no próximo ano? Será o ano da recuperação?
Não há uma previsão fidedigna para a ultrapassagem dos desafios atuais da economia global, e temos de reconhecer que as perspetivas para o mercado de M&A no ano de 2025 se revelaram, em geral, excessivamente otimistas.
No entanto, nos últimos meses temos visto sinais de maior atividade e crescimento de pipeline, que são animadores e indiciam que os players se estão a adaptar progressivamente às circunstâncias atuais e a ter uma postura mais dinâmica. Pelo que encaramos o próximo ano com otimismo prudente.