A empresa portuguesa Dstelecom, operadora de telecomunicações grossista, pretende expandir o projeto de 5G que está a desenvolver no Alentejo para o norte de Portugal e mostrar ao mercado que consegue exportar o seu modelo de negócio para a rede móvel, nomeadamente de quinta e sexta geração. Ou seja, “alugar” a essa infraestrutura aos operadores retalhistas, como acontece na fibra ótica.
“O nosso objetivo a médio e longo prazo é demonstrar aos operadores que temos as competências necessárias para criar uma infraestrutura multioperador no 5G. Já a pensar até no 6G, que mais ano menos ano vai aparecer”, afirma ao Jornal Económico o CEO da Dstelecom, referindo-se ao projeto europeu para levar 5G a zonas de baixa densidade populacional, cujo consórcio a empresa lidera.
O consórcio entre a Dstelecom, a NOS e as consultoras Innovation Point e IrRadiare concorreu ao fundo Connecting European Facitity (CEF) em meados deste ano e venceu. No curto prazo, em 2025, o plano passa por voltar a apresentar uma candidatura. “A call do CEF ainda se vai manter aberta, portanto se este projeto, que envolve alguns municípios do Alentejo, for bem-sucedido fazemos uma segunda versão a norte do país”, disse Ricardo Salgado ao JE.
O projeto “5G rural — 5G for rural smart communities of tomorrow” remonta a julho, quando o consórcio anunciou que a rede de quinta geração iria chegar a 70 mil pessoas de zonas remotas do Alentejo até 2026, no âmbito de um investimento de 5,3 milhões de euros, em regime de cofinanciamento (75%) europeu. A entrada do 5G vê-se através de soluções digitais para saúde, educação, energia, agricultura, turismo, arte e cultura e faz com que Portugal seja o primeiro país onde o 5G - na banda de frequência dos 3,6 GHz - chega a regiões remotas para suportar casos de uso / pilotos.
“Não é só ter melhores comunicações. É tentar fomentar use cases nestas regiões que ajudem vários setores de atividade. Digamos que a União Europeia disse «demonstrem lá que isso vai ser útil para as comunidades». Não há ali rocket science. O que estas empresas estão a procurar replicar nestas zonas é o que já vai acontecendo nos maiores centros urbanos, com algumas especificidades ligadas à agricultura, como drones para monitorizar propriedades agrícolas ou aplicar pesticidas remotamente”, ressalva o CEO da Dstelecom.
Na prática, o que é que está a ser implementado? Por exemplo, dispositivos para monitorização remota de idosos, uma plataforma digital para acompanhamento e estimulação cognitiva de seniores, alarmística em tempo real, drones para monitorizar colheitas agrícola, tecnologias de realidade aumentada e virtual nas escolas para alunos de localidades isoladas terem acesso a experiências de aprendizagem mais imersivas, cloud para analisar consumos energéticos, criação de uma Comunidade de Energia Renovável (CER) e colocação de um videowall (painéis LCD ou LED) de ultra-alta definição para exibição de obras artísticas.
Estamos para os operadores como a Macro ou o Recheio está para os pequenos supermercados
O CEO da Dstelecom lembra ao JE que este percurso começou em 2008, quando a empresa de Braga criou uma rede de fibra com capilaridade FTTH (Fibre-To-The-Home) para prestar serviços de telecomunicações aos operadores de retalho (MEO, NOS, Vodafone, Nowo…)
“Quando começámos a operacionalizar, construímos rede de fibra em zonas de baixa densidade populacional, onde estes operadores, que eram os nossos potenciais clientes, ainda não tinham. Não é que só saibamos contruir nessas zonas, mas era onde estava o nosso nicho de negócio e a nossa oportunidade. Rapidamente passámos de uma cobertura de 79-80 municípios para quase 150 municípios e um milhão de casas atualmente”, conta Ricardo Salgado.
Falta dar o salto para a rede móvel, mas as negociações não têm sido simples. “Temos andado a trabalhar com os operadores para lhes monstrarmos que isto é possível fazer também na rede móvel, em vez de terem de investir cada um na sua própria rede passiva (torres) e ativa (equipamentos que são lá colocados para irradiar o espectro). Propomos, pelo menos nas zonas de baixa densidade populacional, criar uma infraestrutura móvel multioperador em que só o espectro seria da propriedade do operador de retalho, tal como os conteúdos de televisão para o fixo em que cada um tem o seu pacote de conteúdos”, começa por explicar.
“Tem sido uma conversa longa, porque há todo o histórico deles e olham para nós como sendo o new kid on the block, apesar de já cá estarmos há uns anos”, lamenta Ricardo Salgado, em declarações ao JE aquando da apresentação das soluções 5G para o Alentejo.
A Dstelecom tem um negócio B2B (Business-to-Business) e trabalha com todos os operadores de retalho, portanto vê a entrada de um novo operador no mercado – a Digi será formalmente apresentada esta segunda-feira – como uma forma de “trazer algumas dinâmicas novas ao setor, nomeadamente nas zonas de baixa densidade populacional, que nem sempre estão na ordem do dia dos operadores”. Ainda assim, Ricardo Salgado reconhece que percebe “as preocupações” dos operadores, “porque o país é relativamente pequeno para os investimentos que se tem de fazer nas telecomunicações”, embora acredite que a “indústria é madura e têm-se mostrado resiliente”, logo “vai-se encontrar um novo equilíbrio”.