Apesar da recessão profunda nos anos da pandemia, Portugal tem mostrado uma performance económica acima da média europeia desde então, uma recuperação suportada, em parte, pelo turismo e exportações, mas também fortemente apoiada pelo consumo interno, revelam os dados da Mastercard. Um mercado laboral robusto ajudou a minimizar as perdas inicialmente e, numa segunda fase, a sustentar a procura das famílias, mesmo face a uma inflação em alta e a um aperto monetário histórico na zona euro.
As preocupações com a resistência da economia nacional à subida de juros no início da subida dos taxas eram bastantes, dada a elevada exposição das famílias e empresas a taxas variáveis, mas a solidez do consumo revelou-se maior do que esperada. Natalia Lechmanova, economista sénior da Mastercard Economics Institute, argumenta que o desemprego historicamente baixo deu um suporte fundamental ao rendimento dos portugueses, mas destaca alguns fatores extra que ajudam a explicar o crescimento nacional acima da média na primeira metade deste ano.
O papel do comércio externo também foi fundamental, sobretudo do lado dos serviços – motivado pelo turismo –, mas, para Natalia Lechmanova, tal deve-se “maioritariamente aos desenvolvimentos no mercado laboral, com o desemprego tão baixo, crescimento do emprego robusto e dinâmica salarial tão alta”.
“O consumo foi resistente, apesar da dívida das famílias elevada, em comparação com o resto da zona euro”, começa por referir. Importa recordar que “juros mais altos impactam famílias com rendimentos mais elevados, os mais prováveis de terem hipotecas”, mas também “os que tiveram o privilégio de acumular mais poupanças durante a pandemia”.
Tal ajuda a explicar como os dados da Mastercard “mostram que os gastos discricionários em função dos gastos totais dos cartões se mantiveram relativamente estáveis” nos últimos trimestres.
“Estas famílias foram menos afetadas pela subida de preços da energia e da alimentação, para eles é uma percentagem menor do cabaz de consumo”, esclarece.
Ao mesmo tempo, e apesar da perda de rendimento disponível das famílias europeias, a estrutura de gastos parece-se estar a alterar-se depois da pandemia, o que ajuda a suportar o turismo nacional. Os consumidores europeus têm “priorizado gastos em serviços”, o que inclui viagens e alojamento, juntando-se à instabilidade geopolítica no leste europeu para estimular o sector turístico português.
“O que temos visto por toda a Europa é que os consumidores passaram a priorizar gastos em serviços e experiências, como ir comer fora, ir a bares, divertir-se, tudo aquilo que nos foi impedido durante a pandemia”, explica. Olhando em frente, e dada a pressão que se mantém do lado dos serviços e a tendência de desinflação nos bens duradouros, tal pode alterar-se, projeta Natalia Lechmanova.
Para esta responsável há sectores onde as restrições de capacidade são um motor da inflação, como o turismo. "Não podemos colocar mais voos no ar sem pilotos nem construir alojamento sem espaço para tal, por isso os preços vão continuar a subir. Por outro lado, se precisar de comprar um sofá e estiver mais barato do que há um ano, enquanto o preço das viagens continua a subir, se calhar adio a viagem e compro agora o sofá”, antecipa.