Mohammad Reza Hajipour nasceu em 1977 e é natural de Fouman, província de Guilan, a trezentos quilómetros de Teerão. Realizador, escritor e produtor de profissão, trocou o Irão por Portugal, em 2008, e instalou-se na freguesia de Arroios, em Lisboa.
“Vim para Portugal com 29 anos. O que mais me fascinou foi a simpatia das pessoas, a natureza e o facto de praticamente não me sentir estrangeiro aqui”, conta Reza ao Jornal Económico.
A sua relação com o cinema tornou-se forte desde muito cedo, ainda em criança. “Na altura, quando os filmes do ocidente eram proibidos no Irão, alugávamos projetores com vários filmes e assistíamos em casa da minha avó, projetados na parede, em serões em família”, recorda.
Hoje, é diretor do Arroios Film Festival, um projeto pioneiro de inclusão social pela sétima arte, de projeção internacional, que terá em setembro, de 9 a 16, a sua segunda edição. Tomou este cargo “devido a um conhecimento que já tinha com a Junta de Freguesia de Arroios. Eles estavam à procura de um diretor para o festival e em conversa surgiu esta oportunidade de eu integrar a equipa, uma vez que também não tinham ninguém desta área a colaborar com eles. Iniciámos o trabalho para a primeira edição ainda em 2015”, explica.
O cinema continuou a ser a sua paixão enquanto se formava em Línguas e Literatura na Oloom Tahghighat, Universidade de Azad, instituição onde editou e dirigiu a revista Boomik, uma publicação política, social e cultural. Mas desempenhou ainda outras funções.
“Fui correspondente de TV, produtor de rádio e televisão. Também organizei, pela primeira vez no Irão, um festival que promovia o conhecimento dos países africanos e das línguas africanas. Além disso, desempenhei outras atividades como editor e operador de câmara”, diz.
Não tem memória do primeiro filme que viu, mas “sempre foram os do Bruce Lee”, os seus preferidos. “Hoje em dia admiro muito o trabalho de Robert De Niro”.
Sobre o cinema português, Reza Hajipour enumera pontos positivos e negativos. “Aqui, para fazer um filme, demora muito tempo, há muita burocracia”. No Irão, diz que o processo é mais rápido. “Em Portugal há muito poucas produtoras de cinema com dinheiro. A maioria dos produtores trabalha com fundos públicos, do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). No Irão, raros são os filmes com financiamento público”, sublinha.
Quanto aos filmes que passam pelas salas de cinema em Portugal, o realizador tece algumas críticas. “As salas de cinema em Portugal quase não passam filmes portugueses, apenas produções de Hollywood e mais comerciais. No Irão é o inverso. É um negócio muito lucrativo”. E deixa um conselho: “Para um país se tornar competitivo nesta área também é muito importante e necessário acreditar e apostar nos jovens realizadores”.
Reza já escreveu, realizou e produziu quatro curtas: “O Primeiro Dia de Trabalho”, em 2007; “Análises”, em 2010; “O Bebé”, em 2011; e “A Estreia”, em 2015. Mas como não é fácil viver do cinema, tem ainda uma outra fonte de rendimento: o Tika Kebab, um restaurante onde vende kebab com sabor iraniano, localizado em São Domingos de Benfica, em Lisboa.
Arroios é uma freguesia de Lisboa que se caracteriza pela sua diversidade cultural. “São agora mais de 90 nacionalidades que atravessam os cinco continentes, concentradas em 52 quilómetros quadrados. Chegar a todos, sem preconceitos, aceitando e tentando compreender as suas diferenças culturais, religiosas, políticas e as demais é o objetivo da Junta de Freguesia de Arroios”, sustenta o iraniano.
O feedback da primeira edição do Arroios Film Festival, que recebeu centenas de espetadores em sala, ”foi muito positivo, muito embora a seleção do ano passado fosse, na sua maioria, drama, com histórias muito pesadas”. Para este ano, Reza Hajipour revela algumas novidades. Há uma maior variedade de géneros, “comédia, terror, suspense, etc. A qualidade dos filmes mostra uma seleção muito melhor que a de 2016”, afirma.
Além disso, haverá ainda “uma sessão com audiodescrição para invisuais, que vai permitir que este festival seja ainda mais inclusivo”. Acresce uma “programação paralela a acontecer em diversos espaços da freguesia de Arroios. São entidades que aceitaram o nosso desafio de apresentarem propostas no âmbito do cinema e da inclusão que fazem a ligação com o festival”.
Esta segunda edição selecionou 37 filmes em mais de 3500 inscrições, provenientes de 122 países. Do leque escolhido, 14 curtas-metragens concorrem na categoria de Ficção, 11 na de Documentário e 12 na de Animação. Entre os critérios de escolha, o requisito fundamental “estava relacionado com o tema: tinham de ser filmes que abordassem, de forma geral, o tema da inclusão (social, sexual, religiosa, económica, etc.). Muitos foram eliminados porque não correspondiam ao tema”. Os países que mais produções submeteram foram os Estados Unidos da América com 327, Índia (205) e Irão (175).
Reza Hajipour tem uma ambição que pretende concretizar no próximo ano: fazer do festival de Arroios um festival internacional. “Tivemos esta ideia desde o início, mas precisamos de muitos mais apoios públicos e também de fortalecer laços com outros países. Infelizmente, este ano ainda não foi possível alargar”.
Além do festival, o realizador tem outros projetos em mente, “mas não tenho produtora para os concretizar. Se os conseguir pôr em prática será com a ajuda de amigos”, lamenta.