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“Continua a haver espaço para consolidação”

A Antas da Cunha cumpre uma década no mercado, com um crescimento acelerado, feito também com aquisições. Este ano pararam para acertar o caminho. Têm abraçado a tecnologia e a revolução que se instala no setor e também a integração de outras valências, sempre atentos a novas oportunidades.

Fernando Antas da Cunha é o managing partner da sociedade de advogados que ostenta o seu nome. Matilde Mello Cabral é a nova chief operations officer.

Têm crescido de forma acelerada, com a integração de outras sociedades. Qual tem sido o racional?
Fernando Antas da Cunha – Talvez aquilo que mais nos caracteriza seja entendermos que esta nossa profissão, este nosso setor, apesar de haver sempre uma parte que é irrenunciável, que tem a ver com a parte ética e deontológica, é um negócio. Deve ser entendido como uma empresa e, como tal, devemos estar sempre abertos para as oportunidades.
Eu acho que o caminho que nós delineámos em 2017, quando nos juntámos à Ecija, foi precisamente esse. Vimos uma oportunidade que ainda era muito pouco maturada, que era de um posicionamento que tinha a ver com o direito digital como um todo, tecnologia, no sentido de entendermos uma linguagem que é muito pouco natural para os advogados, um setor que obriga a que haja um conhecimento transversal de uma determinada realidade que tipicamente não é aquela a que nós estamos acostumados. A partir desse momento, criámos uma estratégia de posicionamento que acho que foi bastante bem conseguida. Depois, todas as outras integrações e o crescimento que vimos tendo nestes últimos 10 anos, sempre crescimentos a dois dígitos muito lá para cima. No ano passado, tivemos um crescimento de 38%, este ano estamos em setembro e estamos com crescimentos muito acelerados outra vez e não fizemos qualquer integração. Propositadamente, achámos que era um momento de olharmos para dentro, para consolidar todo este crescimento que tivemos e depois voltarmos novamente a olhar para as oportunidades.
Estas últimas integrações vêm num contexto de que a partir de um determinado momento eu penso que não há volta a dar, temos de ser verdadeiramente uma full service law firm, ou seja, abarcarmos todas as áreas do direito e sermos uma one stop shop para os nossos clientes ou para os nossos parceiros internacionais. E é neste contexto que nós temos vindo a crescer áreas de prática e a abrir novos departamentos com talento completamente assumido e identificado. A última das nossas integrações foi a Cruz Vilaça e Associados, absolutamente incontornável no âmbito do direito europeu e da concorrência. É esse o caminho que vamos continuar a fazer.

E ainda há espaço para a concentração em Portugal e áreas de prática que sintam que têm de reforçar?
FAC - Há muito poucas áreas de prática que nós não tenhamos neste momento que ainda poderão fazer sentido no futuro.
Relativamente a espaço para consolidação, sim, sem dúvida. Em primeiro lugar, o escritório tem crescido a um ritmo exponencial e por isso acabamos por ter necessidades de integrações de equipas para fazer face a esta necessidade e a este aumento, a este crescimento do volume de negócios e do número de clientes. Por isso, penso que havendo essas oportunidades e, mais do que tudo, havendo pessoas que se identifiquem com este projeto e que nós, pelo menos, tenhamos uma absoluta convicção de que fazem um match naquilo que é a nossa cultura e a nossa maneira de trabalhar, enquanto isso existir, nós estaremos abertos a crescer, sem sombra de dúvida.

Matilde, regressa à advocacia depois ter estado ano e meio nas Finanças. Porquê e o que traz como aprendizagem?
Matilde Mello Cabral – Combinei com o senhor ministro das Finanças que estaria no máximo dois anos, porque foi um apelo a que não consegui resistir. Entendi isto como uma obrigação, mas, de facto, este [a advocacia] é o setor de que eu gosto. Passei pelos media, pela consultoria, mas tenho mais de 20 anos neste setor. Portanto, tinha aqui um regresso anunciado.
Tive a sorte de conhecer o Fernando [Antas da Cunha]. Iniciámos um conjunto de conversas muito interessantes e cedo deu para ver que temos a mesma visão da advocacia, da advocacia de negócios, uma vontade de transformar e de contribuir para esta transformação no setor, mas também a mesma cultura. Portanto, achei que um projeto onde pudesse também deixar alguma marca transformativa fazia muito sentido.
Do Estado, o que trago é resiliência, maturidade. Eu acho que a passagem pelo Estado nos dá um bocadinho isso. Estamos num ritmo tão acelerado, de tecnologia, de tudo, mas isto é muito de pessoas, a capacidade de parar, analisar, comparar, pensar bem as soluções. Acho que é uma coisa que é exigida aos governantes e acho que é algo que trouxe deste ano e meio.

Qual é o desafio que enfrenta agora na Antas da Cunha?
MMC – É um bocadinho, se calhar, parar. A Antas da Cunha teve um crescimento ultra acelerado, deve ser um case study a nível a nível europeu. Estamos com 150 advogados, mais de 200 pessoas, e eu acho que estamos a olhar também um bocadinho para dentro. Temos, de facto, muita tecnologia, muitos dados, é uma sociedade muito data driven e, portanto, temos de olhar para estes dados todos, para esta informação toda que coligimos e ver como é que nos organizamos, no sentido de tornar ainda mais eficiente aquilo que é eficiente e no sentido de voltar a olhar para a customer experience e para a employer experience, porque este é um negócio de pessoas. Trabalhamos para pessoas e com as melhores pessoas. E como é que organizamos este ciclo para garantir que quer os nossos talentos quer os nossos clientes têm a melhor experiência nas diferentes áreas.

A Antas da Cunha abraçou a multidisciplinaridade. Foram dos primeiros a defender e dos primeiros a seguir o caminho. Que balanço faz?
FAC - Há uma dimensão que é a possibilidade de integrarmos outros setores de atividade e outras profissões a conviverem com a nossa, do ponto de vista jurídico; isso nós ainda não o fizemos. Tivemos uma experiência no início de criar uma área de advisory que, do ponto de vista cultural, não correu bem. São ensinamentos que nós temos como muito naturais que é quando as coisas não são exatamente como nós achamos que deveriam ser temos a capacidade de parar, de pensar ou repensar, e voltarmos a tomar um caminho de integração de outras profissões. Continuamos absolutamente convictos, estamos a fazê-lo de uma forma indireta e por isso eu acho que a multidisciplinaridade vai ser concretizada. Outros nossos concorrentes já a adotaram. Eu lembro-me de estar muito isolado neste nesta narrativa; era provavelmente a única pessoa que dizia abertamente que era inevitável e que acho que era o caminho, e acho, e penso que hoje estamos muito mais sofisticados, que estamos a preparar-nos para termos armas iguais às dos nossos vizinhos espanhóis que já têm esta realidade há mais de uma década, e por isso o balanço é extremamente positivo.
Como vimos, não tivemos nenhuma notícia de uma hecatombe do ponto de vista deontológico ou de más práticas por existência ou convivência com outras profissões. Portanto, o balanço é extremamente positivo. Acho que é uma ótima oportunidade para o setor. Temos de estar preparados, não podemos estar encostados de uma forma confortável porque neste momento há players agressivos. As big four estão neste momento a aumentar os seus departamentos legais para servirem clientes. Eu acho que isso é super bom para o mercado.

A multidisciplinaridade pode alargar-se a outras áreas? Todos tinham receio das ‘big four’, por exemplo, mas havia quem dissesse que estas também deveriam recear o que a advocacia pode fazer. Faz sentido?
FAC - Eu acho que faz. Nós temos já hoje, se quisermos, na nossa marca internacional, que é a Ecija; aprendemos com eles e eles têm uma capacidade de implementação completamente diferente. Nós já temos dois braços armados a que chamamos Advisory e a que chamamos área tech. Penso que a resposta à sua pergunta vem muito mais naquilo que é o posicionamento de um escritório ou de uma firma. Para nós, faz-nos sentido olharmos para a área do Advisory como uma área complementar e instrumental àquilo que é o nosso core business e que faz todo o sentido termos dentro de casa, ou pelo menos parte dessa consultoria. Falo, por exemplo, de avaliações de empresas, na lógica do M&A, na parte financeira, falamos em fundos europeus e num conjunto de outras áreas que podem estar envolvidas nesta área do Advisory.

Havendo clientes que queiram apoio noutras áreas, admitem abordagens mais integradas?
FAC - Sem dúvida. Não somos nós verdadeiramente quem controla o negócio; quem controla o nosso negócio são os nossos clientes. E a maior parte dos escritórios de advogados, que é um setor altamente maduro, muito consolidado, aquilo que fizeram foi seguir os seus clientes, seguir aquilo que os seus clientes pedem. Nós não somos diferentes.
A grande questão que se coloca é com quem, porque são áreas que não conhecemos, que não dominamos. Já tivemos essas experiências no passado e quando queremos fazer as coisas de que estamos muito convictos que fazem sentido, se não fizermos com as pessoas certas, não vai funcionar.

A multidisciplinaridade e maior concorrência são desafios acrescidos. O que vê de diferente no setor e o que espera encontrar?
MMC – A multidisciplinaridade é um tema que tenho acompanhado muito de perto. Fiz muito benchmarking, vi muito o que é que os nossos concorrentes no Reino Unido, em Espanha, estão a fazer e é com muita naturalidade que vejo sociedades advogados a entrarem em áreas que de facto são adjacentes e onde faz sentido e isso pode acrescentar valor. Lá está, M&A, área de laboral, porque lidamos muito com departamentos de recursos humanos e com essa questão. Por exemplo, temos na Antas da Cunha um produto de tech, específico de labour tech. Também, eventualmente, em temas até de gestão da reputação e gestão de crise, porque temos assuntos muito de penal ou às vezes até grandes transações de M&A. No passado trabalhei muito de perto com as agências do cliente e é um trabalho que podemos fazer.
Por outro lado, também já vi, e na Antas da Cunha então isso está num estágio muito avançado, que é nós temos de prestar um serviço cada vez mais completo e, portanto, as próprias equipas são cada vez mais multidisciplinares. Cada vez mais, eu acho que há um primeiro desafio que é tornar a nossa abordagem e o nosso serviço ao cliente cada vez mais rico, cada vez mais 360 [graus] e juntar pessoas com diferentes perfis e diversidades de background que acrescentam à solução jurídica que estamos a propor.
Nós, na Antas da Cunha Ecija, por exemplo, trabalhamos já numa forma muito de gestão de projeto. Temos uma área de stack transactions, por exemplo, onde eu acho que temos uma equipa e uma abordagem muito diferenciada. Não conheço outra sociedade que tenha em casa alguém que tenha sido CEO de uma grande tecnológica, uma ex-diretora jurídica de outra grande tecnológica e de uma consultora.

Já estão a utilizar a tecnologia para análise de dados? Já vão buscar dados e trabalham-nos?
FAC - A inteligência artificial, se nós quisermos resumir numa frase, é a capacidade de multiplicar. Há setores e profissões cujo multiplicador será 10, isto é, aquilo que se faz hoje com 10 pessoas far-se-á com uma ou aquilo que se faz com uma vamos ter a capacidade de resposta de 10.
Achamos que o multiplicador no setor jurídico não é de todo de 10, mas neste momento que estamos a falar já é de dois. E tipicamente vai passar para cinco muito rapidamente, o que quer dizer que se soubermos aproveitar bem esta onda, rapidamente aquilo que nós hoje fazemos com os nossos 150 advogados poderemos ter o equivalente a 450 ou 600 advogados numa fase muito relativamente próxima, num médio prazo.
O que vai acontecer ao nosso modelo atual é que vai mudar radicalmente e não numa lógica de mandarmos pessoas embora, nada disso, nós estamos a prever contratar mais pessoas, mas muito mais de fazer o seu reskilling. Há uma fatia do trabalho que vai deixar de ser feita por humanos, mas que eu acho que é uma enorme oportunidade, em particular para os jovens advogados. Nós já o estamos a fazer, neste momento, eu e a Matilde de muito perto, estamos a fazer um estudo interno dos casos de uso que estamos a trabalhar, naquilo que por área de prática gostariam que fosse feito. Temos um conjunto de parceiros que já trabalham hoje connosco na área da IA para fazer um mapeamento e ter uma full picture de tudo aquilo que é a dinâmica do escritório no dia a dia e, depois, com quem é que vamos, entre aspas, namorar nos próximos anos para nos ajudar no desenvolvimento, na customização daquilo que são as nossas necessidades.
MMC – E essas soluções que queremos adotar são diferentes de área para área.

Onde é que a Antas da Cunha quer estar daqui a 10 anos?
FAC - Há uma coisa de que eu tenho absoluta certeza: a Antas da Cunha, daqui a 10 anos, não terá nada a ver com a Antas da Cunha que hoje temos. Será muito mais multidisciplinar, muito mais internacional. Nós temos um plano estratégico em que estamos a trabalhar, em que vamos continuar a registar crescimentos acentuados, claramente acima da média e muito, muito acima daquilo que é o crescimento da economia portuguesa. E acredito que vamos conseguir atingir os nossos objetivos, como sempre fizemos. Agora, acredito que se me perguntar se nós conseguimos duplicar o volume de negócios, por exemplo, nos próximos cinco anos, que é esse um bocadinho, o nosso objetivo, se vamos ter o dobro das pessoas, seguramente não. Vamos ter muito menos necessidade de contratação de pessoas. O que o que eu acho é que vamos ter um talento muito mais especializado, muito mais complementar.
Isto é um bocadinho atrevido, mais uma vez, da minha parte dizer isto, mas não sei se o nosso core será o legal daqui a 10 anos. Será aquele que tiver de ser, ou seja. Nós antigamente, quando falávamos da advocacia falávamos de tribunal, falávamos de processo. De repente, começámos a falar um bocadinho de consultoria na área dos negócios e agora aquilo de que se fala é de compliance e consultoria na área de governance, etc. Portanto, aquilo que nós temos são diferentes dimensões, são como carris que andam uns ao lado dos outros e em que a velocidade vai ser determinada pelas necessidades do mercado. Nós hoje somos altamente procurados para todas as nossas áreas de projeto de compliance propriamente dito, de consultoria, sendo que as áreas de processo continuam a crescer ao mesmo ritmo. Todas estas dimensões de negócio, quando aparecem, elas autoalimentam-se. E por isso eu acho que os próximos 10 anos serão altamente desafiantes.