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Conselho de Estado reúne hoje com sinais da economia a preocupar Marcelo e novo aviso de maior vigilância

O Conselho de Estado de julho é retomado esta terça-feira com uma situação económica menos otimista, dada a estagnação no segundo trimestre, a subida surpresa da inflação em agosto e a quebra da atividade nos principais parceiros comerciais nacionais. Marcelo tem deixado recados e diz-se atento à situação. O JE sabe que o Presidente da República irá vincar o objetivo de cumprir a promessa de maior vigilância.

O Conselho de Estado convocado pelo Presidente da República para julho ficou suspenso por falta de tempo, à altura, para se ouvirem todos os participantes (incluindo o próprio). Com o encontro interrompido para que o primeiro-ministro viajasse até à Nova Zelândia, após a saída do primeiro-ministro, os trabalhos são retomados nesta terça-feira, 5 de setembro, onde Marcelo Rebelo de Sousa irá vincar o objetivo de cumprir a promessa de maior vigilância, particularmente, ao panorama económico do país, sabe o JE junto de fontes próximas a Belém.

E se em julho a situação política preocupava o chefe de Estado, três meses volvidos a frente económica também começa a dar razões de preocupação, com o crescimento a começar a fraquejar à medida que os juros tocam máximos históricos no bloco euro e a inflação continua demasiado elevada. Várias fontes próximas a Belém contactadas pelo JE avançam que o sinal de fiscalização mais vigilante - dado em maio a propósito da crise Galamba - será novamente dado a António Costa, mostrando que está atento à evolução económica e que as finanças portuguesas têm folga suficiente para tentar compensar os números mais negativos da economia dos próximos meses.

Em junho, Marcelo tinha já reforçado o objetivo de maior vigilância e dado o recado a Costa: os números da economia têm de chegar a pessoas.  Na altura, o chefe de Estado afirmou esperar que a evolução da inflação e do crescimento, internacional e no país, “continue a melhorar”, deixando “perspetivas positivas para os próximos anos”, realçando que as pessoas esperam muito que “os grandes números da economia cheguem aos seus bolsos e isso significa uma maior esperança para o futuro”.

Três meses depois destas declarações, a inflação teima em baixar, os juros continuaram a aumentar, o PIB nacional regista um abrandamento, e a economia alemã trava a fundo, o que já levou Marcelo Rebelo de Sousa, no final da semana passada, a alertar que "isto pode explicar um compasso de espera numa recuperação que desejaríamos mais rápida".

Com a desaceleração na recuperação de economias importantes da Europa e em Portugal, o Presidente da República defende que é preciso lançar de liquidez na economia e isso repercute-se no OE (Orçamento de Estado) para 2024, apontando as baterias à "folga" orçamental para ajudar as famílias e as empresas no próximo ano. É o aviso de Marcelo há “folga no orçamento” para baixar impostos, uma discussão que já sinalizou ser “inevitável” e que deverá ser feita com “bom senso”.

Os sinais económicos que preocupam Marcelo

A mensagem da Presidência a convocar o Conselho de Estado para julho mencionava já aspetos económicos e sociais como parte do motivo para a reunião do órgão consultivo, mas o timing após os sucessivos escândalos associados à TAP não deixava muita margem para dúvidas quanto à real razão por detrás da decisão do Presidente. No retomar do encontro esta terça-feira, os conselheiros de Marcelo encontrarão uma realidade económica bastante mais periclitante.

O próprio Presidente já expôs algumas das suas preocupações mais prementes: depois de estagnar no segundo trimestre, o PIB português mostra uma dinâmica esfriada, penalizado pela subida agressiva de juros do Banco Central Europeu – que pode ainda não estar concluída – e pelo abrandamento das principais economias mundiais, desde logo a Alemanha; ao mesmo tempo, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) continua com atrasos, a habitação terá um conjunto de medidas vistas pela Presidência (e oposição) como ineficientes e prejudiciais aprovado sem diálogo pelo PS, na saúde e educação continua a reinar o descontentamento e esgotamento dos profissionais e até o desemprego parece em vias de crescer.

Com a segunda parte do Conselho de Estado marcada para esta terça-feira, importa compreender o quadro que os seus membros e o Presidente da República encontrarão, destacando o contraste com o cenário há dois meses.

No crescimento, Portugal vinha de um primeiro trimestre fantástico e bastante acima da média histórica e europeia, ao avançar 1,6% em cadeia e 2,5% em termos homólogos. Entretanto, a leitura definitiva confirmou na semana passada que o país estagnou no segundo trimestre em comparação com os três primeiros meses, vendo o resultado homólogo recuar para 2,3%. Este último resultado até compara bem com o resto da moeda única, mas a análise em cadeia confirma a quebra da atividade.

Com a Europa, EUA e China a atravessar tempos difíceis, o comércio externo também fraqueja, dando um menor impulso à economia. A procura interna até tem aguentado melhor do que se esperava, invertendo a queda do início do ano para voltar a ter um contributo positivo na leitura do segundo trimestre, mas o investimento e as vendas ao exterior já estão a sofrer com a subida dos juros, que até pode ainda nem estar terminada. O Presidente já disse estar atento.

Folga orçamental salva economia?

A inflação na zona euro manteve-se inalterada em 5,3% em agosto, enquanto em Portugal até subiu 0,6 pontos percentuais (p.p.) para 3,7%, agravando a dor de cabeça do BCE. A energia volta a pressionar os preços, gerando medos renovados de uma segunda vaga de inflação ou de um período alongado de estagflação, um cenário que parecia fora de equação há uns meses.

Aquando da primeira parte do Conselho de Estado agora retomado, a leitura mais recente para a zona euro mostrava uma taxa homóloga de 5,5%, ou seja, pouco acima de agora verificada, e que resultava de sete recuos nas oito leituras anteriores, caindo do pico de 10,6%. Em Portugal, o indicador de preços apontava para 3,4%.

Confrontado com as estimativas do Eurostat e do INE para a inflação de agosto na zona euro e em Portugal, Marcelo admitiu que não eram boas notícias, sinalizando de imediato a sua preocupação com novas subidas. O alerta é secundado pelo governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, que começa a ver o risco de excesso de agressividade do BCE como “material”.

Confessando que esperava ver “uma folga” do lado dos preços, o Presidente da República referir-se-ia dois dias depois a outra folga, a orçamental, para argumentar que o Governo tem os instrumentos disponíveis para fazer face a um possível abrandamento da economia. Ainda assim, e já com a preparação do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) na mira, mostrou-se reticente a cortes nos impostos, temendo um desequilíbrio das contas públicas.

Olhando para este cenário, é compreensível que a produção industrial esteja em declínio e a confiança dos agentes, desde consumidores aos vários sectores da economia, esteja em queda e apontando para contrações da atividade. O desemprego tem sido o aspeto positivo, mas até aí a população empregada decresceu e, olhando para os casos de layoff que vão surgindo (com a Autoeuropa como o mais emblemático), os indicadores devem deteriorar-se nos próximos meses – confirmando-se o abrandamento da atividade, até o próprio desemprego deve crescer.

Junta-se a isto o chumbo do pacote ‘Mais Habitação’, cujas restrições serão aprovadas apesar dos alertas de especialistas e oposição que agravarão ainda mais os problemas do lado da oferta – algo que a queda do investimento direto estrangeiro (IDE) no primeiro semestre, de 57% em termos homólogos, parece confirmar.

Críticas de todos os lados

O Conselho será retomado esta terça-feira depois da falta de tempo para ouvir todos os intervenientes em julho – na realidade, ficou a faltar apenas a declaração do primeiro-ministro e, ao contrário do que costuma acontecer nestas reuniões, do Presidente da República. Apesar de ser um órgão convocado pela Presidência, o chefe de Estado não tem por hábito pronunciar-se nestes encontros (exceto na resposta às declarações de cada conselheiro).

Pouco conformado a tradições, Marcelo quebrará o costume e fará uso de um direito que o assiste, tendo preparada uma intervenção para o final do Conselho de Estado. Antes, será António Costa a pronunciar-se, devendo rebater algumas das críticas que lhe foram endereçadas na primeira parte do Conselho.

As palavras mais duras vieram de algumas figuras à direita, como o antigo primeiro-ministro e Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, ou do ex-ministro Miguel Cadilhe, mas até no próprio PS a defesa do Governo reconheceu problemas. Carlos César, presidente do PS e acérrimo defensor do Executivo de Costa, terá implicitamente reconhecido a necessidade de uma remodelação do Governo após a sucessão de polémicas deste mandato, que levou já à saída de 13 membros.