Os maiores bancos portugueses e as seguradoras venderam dívida pública ao Estado até ao fim do ano passado a pedido do Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). Ora, tendo em conta o número avançado pelo jornal “Expresso”, de um valor global de 3 mil milhões de euros em dívida pública adquirida, tal significa que o instituto liderado por Miguel Martín consumiu cerca de 30% a 40% do excedente de tesouraria prudencial estimado para 2023.
Isto porque há que somar aos 6 mil milhões de euros de excedente de tesouraria prudencial previstos, o excedente orçamental que não era esperado.
Em outubro, a instituição liderada por Miguel Martín, em resposta por escrito ao “Jornal de Negócios”, dizia que “como consta do programa de financiamento de 2023, atualizado para o quarto trimestre, o excedente de tesouraria prudencial que a agência tem como objetivo para o fecho do ano é de aproximadamente 6 mil milhões de euros”.
Mas esse número levava em conta uma estimativa de défice global de 800 milhões de euros (défice de tesouraria do subsetor do Estado de 2023 com base nas estimativas do Ministério das Finanças) e que no mapa do IGCP está na rubrica “necessidades líquidas de financiamento”.
Mas como os dados disponíveis apontam para um superavit histórico – o Conselho das Finanças Públicas estima um excedente de 0,9% do PIB este ano e há quem aponte para valores ainda mais altos, contra um défice previsto de 0,4% – há que somar a essa almofada de 6 mil milhões o excedente orçamental que dá uma folga de cerca de dois mil milhões face ao défice previsto.
Assim, o excedente de tesouraria prudencial deverá rondar os 8 mil milhões de euros e por isso os 3 mil milhões gastos na compra de dívida pública aos bancos e seguradoras representam entre 30% a 40% dessa almofada financeira do IGCP.
O “Expresso” escreveu que a contribuir para a liquidez pública que permitiu esta operação de recompra está a entrada de novos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência antes do final do ano, o financiamento do Estado com certificados de aforro, e o excedente orçamental de 2023, com o encaixe de receita extraordinário deste ano a permitir superar os 0,8% do PIB previstos em outubro por Fernando Medina.
A redução da dívida pretendida pelo Ministro das Finanças antes de deixar a pasta não colocará em causa este nível do superavit, segundo o jornal.
A questão que ainda não tem resposta é qual foi o custo de oportunidade (dos contribuintes) na compra desta dívida à banca para o Estado baixar o rácio de dívida pública sobre o PIB abaixo dos 100%.
Os juros das Obrigações do Tesouro a 10 anos rondam os 2,75%, e a dívida a dois anos está em 2,64%. Os bancos venderam as linhas de dívida a preços de mercado no fim do ano passado, quando os juros estavam perto dos 3%, numa altura em que os juros pagos pelo BCE, onde o IGCP poderia aplicar o excedente de tesouraria, estão nos 4%.
Recorde-se que a taxa de depósitos do BCE permanece em 4%, o nível mais alto desde o lançamento da moeda única em 1999, enquanto a principal taxa de juro de refinanciamento fica em 4,5% e a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez permanece em 4,75%.
Portanto, há um custo de oportunidade nesta operação levada a cabo pelo IGCP por ordem do ministro das Finanças, Fernando Medina, que lançou esta operação especial para deixar o peso da dívida das administrações públicas abaixo de 100% do PIB antes do final do ano.
As compras das carteiras de dívida dos bancos foram feitas “a valores de mercado, e não a desconto”, segundo as fontes do setor que por isso classificaram a abordagem das Finanças e da agência que gere a dívida pública de “sem pressão”. O Expresso noticiou que nas reuniões e contactos que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) foi tendo com os bancos, entre os quais a CGD, o BCP, o Santander e o BPI, foi feito o pedido de recompra da dívida sem, no entanto, como garantem fontes da banca, ter havido pressão.
“Vendemos apenas o que nos interessava vender”, disse um fonte da banca ao Jornal Económico. Os bancos só puderam vender a dívida que não estivesse classificada como hold to maturity, ou seja detida até à maturidade. Outra fonte confirmou a venda de dívida pública ao IGCP e frisou que tinha de ser feita até ao final do ano. Outro banca fala em “operações normais de mercado”.
Do lado da banca a redução da exposição ao risco soberano vai de encontro aos alertas dos reguladores. No Relatório de Estabilidade Financeira de outono o Banco de Portugal incluiu nos riscos para a estabilidade financeira a subida dos prémios de risco da dívida soberana.
Já do lado das seguradoras a adesão à operação de recompra de dívida pública foi pouco expressiva porque as seguradoras têm os ativos afetos a produtos do tipo PPR (Planos e Poupança Reforma) e outros de longo prazo que não podem ser desmobilizados e estão detidos até à maturidade (hold to maturity), como explica ao Jornal Económico (JE) uma fonte do sector segurador.
Foi um final de ano com várias reuniões com a banca e os principais grupos seguradores. Segundo o “Expresso” de 5 de janeiro, o objetivo desta operação foi o de baixar o peso da dívida para 99,5% do PIB, abaixo de 103% do PIB previsto na proposta de Orçamento do Estado para 2024.
António Nogueira Leite, em declarações ao JE, comentou que foi a política de excedente de liquidez do IGCP, que foi desencadeada no tempo da troika, quando João Moreira Rato era presidente da agência que gere a dívida pública e Pedro Passos Coelho era primeiro-ministro – e que os governos socialistas de António Costa seguiram e mantiveram – que permitiu agora esta operação de recompra de dívida à banca e seguradoras.
A almofada financeira do IGCP chegou a superar os 15 mil milhões de euros em 2012 e 2013.
Dados concretos sobre exposição a dívida pública de cada banco só quando forem apresentados os resultados de 2023.