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BRICS testam novas opções à ordem mundial e apoiam Putin para o fim à guerra

Foi preciso o grupo chegar à sua 15ª cimeira para chamar a atenção do ocidente e dos Estados Unidos. De algum modo, a guerra na Ucrânia foi o fator que mudou tudo e que está a empurrar o mundo para outra bipolaridade. Entretanto, falou-se do fim da guerra.

Delegados das principais economias emergentes e dezenas de líderes de todo o mundo em desenvolvimento estão reunidos, desde esta terça-feira, em Joanesburgo para a cimeira dos BRICS – que se apresenta como muito mais que um encontro entre cinco países. Para todos os analistas, é o chamado Sul Global que está a testar as suas possibilidades de emergir como potência conjunta e passar a marcar a agenda internacional. E foi no seu seio que o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou estar interessado em acabar com a guerra na Ucrânia.

O presidente russo disse aos delegados da cimeira que Moscovo quer acabar com a guerra na Ucrânia que foi "desencadeada pelo ocidente e seus satélites". A reação foi imediata: os BRICS comprometem-se a acabar com guerra na Ucrânia, disse Lula da Silva, presidente do Brasil - para quem os países que compõem o grupo estão comprometidos com os esforços ucranianos e russos para acabar com a guerra. E criticou as limitações do Conselho de Segurança das Nações Unidas em lidar com o conflito - órgão das Nações Unidas onde, aliás, o grupo exige deter uma posição permanente.

Falando na cimeira em Joanesburgo, Lula disse que "estamos prontos para nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um cessar-fogo rápido e uma paz justa e duradoura", até porque "a guerra na Ucrânia destaca as limitações do Conselho de Segurança da ONU". "Os Brics devem atuar como uma força de entendimento e cooperação. A nossa disposição é expressa nas contribuições da China, da África do Sul e do meu próprio país para os esforços para resolver o conflito na Ucrânia", disse Lula da Silva.

Para os membros do grupo, o Sul Global, que representa 85% da população mundial, está “à margem em termos de tomada de decisões globais”, enquanto as instituições políticas e financeiras são dominadas por alguns, poucos, países do ocidente, disse Anil Sooklal, embaixador da África do Sul nos BRICS, citado por vários jornais.

A cimeira debate também alternativas consistentes à moeda global que é o dólar – e o simples debate é já considerado uma afronta ao seu domínio – para além de ter na sua agenda a possibilidade do alargamento. Um tema controverso, que nem todos os países têm apoiado (África do Sul e Índia são os mais reticentes), uma vez que a entrada de novos Estados-membros pode condicionar a capacidade de influência da agenda própria de cada um dos cinco atuais participantes.

Ao contrário, os que apoiam o alargamento (como a China e a Rússia) argumentam que acrescentar população e riqueza ao agregado dos BRICS é precisamente aumentar a sua influência. De qualquer modo, é possível que no final da cimeira (esta quinta-feira) nenhuma conclusão definitiva tenha sido adotada. Criado em 2009, os BRICS representam 40% da população mundial e respondem por 25% da economia e por 20% do comércio globais.

Durante anos, os BRICS pareceram apenas um grupo pouco coeso, onde a divergência de interesses era bem mais vincada que a convergência. Inesperadamente, tudo mudou há cerca de 18 meses, com a guerra na Ucrânia e o aumento dos desentendimentos entre a China e os Estados Unidos – o que, bem analisada, é também uma consequência da guerra. A plataforma passou rapidamente a ser uma das poucas saídas internacionais para a Rússia, ao mesmo tempo que era também uma zona de crescente influência da China. Qualquer semelhança entre o que se está a passar na África do Sul e o período da Guerra Fria - quando o mundo era bipolar - não é mera coincidência, dizem cada vez mais analistas.

Os BRICS mais Xangai

Neste quadro de reorganização geopolítica planetária, vale a pena fazer o exercício de somar o ‘universo BRICS’ ao ‘universo Organização de Cooperação de Xangai’ – outra plataforma onde Rússia e China convergem e serve para acomodar as suas opções. Se os dois grupos, que neste momento evoluem em paralelo, juntarem as suas agendas, o debate sobre quem manda no planeta poderá mudar radicalmente em pouco tempo.

Alguns analistas consideram esta equação (a soma das duas organizações) um mero disparate. Mas talvez os seus Estados-membros não achem o mesmo. E uma convergência de agendas pode transformar-se em pouco tempo num ‘admirável mundo novo’ que ninguém soube antecipar.

Para todos os efeitos, a reunião dos BRICS (a 15ª) nunca mereceu antes tanta atenção por parte do ocidente, Estados Unidos incluídos – com os principais jornais a não passarem à margem do encontro na África do Sul). O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o presidente chinês, Xi Jinping, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, participam presencialmente, enquanto o russo, Vladimir Putin, fará uma aparição virtual. Mais de 40 líderes de economias emergentes participarão em reuniões à margem da cimeira. Muitos, incluindo Arábia Saudita, Irão, Argentina, Indonésia e Egipto, manifestaram interesse em aderir ao bloco.

Para a consultora XTB, “a reunião dos BRICS, que terá lugar esta semana na África do Sul, continua a ser uma importante porta de entrada para o resto do continente e especialmente para a África Austral, onde existem abundantes recursos minerais que são essenciais para as indústrias emergentes de inteligência artificial. Desta vez, a atenção está voltada para a formação dos BRICS, que poderá vir a ser conhecida como BRICS+, com 22 países a já pedirem para aderir e muitos a mostrarem interesse”.

E coloca o foco num dado essencial:  os ‘países do alargamento’ “incluem a Argélia, a Argentina, o Egipto, o Irão, o México, a Nigéria, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, todos eles ricos em petróleo e gás e com uma grande balança comercial entre os principais países dos BRICS”. Num quadro em que há 18 meses que a dependência energética da Europa é um tema central, a União Europeia tem todo o interesse em observar o que está a passar do outro lado da linha estratégica, que traçou recentemente, e que coloca uma parte destes países do outro lado.

A consultora recorda: “a ascensão dos BRICS e as sanções unilaterais impostas à Rússia, bem como a exclusão da Rússia do sistema financeiro mundial SWIFT, alimentaram o impulso para a ‘desdolarização’. Desde que as sanções foram impostas, cada vez mais o comércio entre certos países do Sul global começou a ser efetuado em moedas que não o dólar. Por exemplo, a moeda chinesa tornou-se a moedas preferida para algumas transações entre os países dos BRICS (Brasil, Índia, Irão e Arábia Saudita)”.

Os resultados mais importantes esperados desta reunião, segundo a XBT, são a utilização de uma moeda única, a promoção da utilização de moedas locais, a análise do formulário de candidatura de novos membros e o desenvolvimento de uma defesa comum, “especialmente para os países BRICS, que representam cerca de 400 mil milhões de dólares em despesas militares e têm 6.500 armas nucleares instaladas”.