Portugal é o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente, segundo os dados do Alto Comissariado para as Migrações, que estima que mais de dois milhões de portugueses vivam fora do país.
Um estudo da consultora Deloitte e da Business Roundtable Portugal, divulgado no mês passado, aponta que, na última década, 653 mil portugueses em idade ativa, dos quais 194 mil licenciados, emigraram. E é este perfil que Berta Montalvão identifica, em entrevista ao Jornal Económico (JE), e que também é visível no livro “Carreiras Lusófonas – Experiências e Desafios da Migração”, que publicou agora.
“A verdade é que os portugueses foram estudando até cada vez mais tarde e isso faz com que os emigrantes de hoje saiam do país para ocupar funções mais qualificadas e com maior exigência de conhecimentos técnicos”, diz.
Berta Montalvão é especialista em recursos humanos, fundadora das consultoras Forsae e beGlocal, integra a comissão executiva da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP).
Ao JE, desafia todos a emigrarem – como a própria fez – para saírem da zona de conforto, conhecerem novas culturas e pessoas diferentes, o que permite “abrir horizontes e crescer pessoal e profissionalmente”, mas avisa que é necessário trabalho prévio, que nem todos têm este perfil e que os desafios que se colocam são reais.
Qual é o perfil dos emigrantes portugueses, atualmente?
Os estudos mais recentes indicam que o perfil atual dos emigrantes portugueses destaca-se pelo elevado nível de qualificações e pela idade, quando comparado com os fluxos migratórios das décadas de 60-70. A verdade é que os portugueses foram estudando até cada vez mais tarde e isso faz com que os emigrantes de hoje saiam do país para ocupar funções mais qualificadas e com maior exigência de conhecimentos técnicos.
São os jovens os que mais emigram, não apenas por motivos económicos, mas também por razões laborais. Procuram melhores oportunidades de carreira, possibilidade de crescimento e desenvolvimento profissional. Também temos muitos emigrantes que saem do país para estudar, em universidades internacionais de renome, não só ao nível da licenciatura, mas também mestrado e doutoramento, além de outros níveis académicos. Isto quer dizer que os portugueses não abandonam o país só por motivações profissionais, mas também saem à procura de um melhor sistema de ensino, que lhes proporcione maior qualificação, apesar do nosso país possuir excelentes universidades e escolas de negócios.
De todas as estórias que tem acompanhado (e que conta), quais são os motivos para a mudança?
De uma forma geral, os emigrantes retratados no livro saíram de Portugal para abraçar um desafio profissional, mais ambicioso, com melhores condições salariais e oportunidades de carreira. Poucos foram os que saíram somente por motivos financeiros, pelo menos, aqueles que partilharam as suas histórias no “Carreiras Lusófonas”. Mas não podemos esquecer que muitos portugueses deixaram e continuam a deixar para trás as suas famílias e as suas referências de vida por falta de emprego em Portugal. É uma realidade que acontece no nosso país, mas em muitos outros países.
Conhecendo um pouco melhor o tema da migração, devido ao doutoramento que estou a fazer, é possível depreender que, regra geral, é nos momentos de crise que os fluxos migratórios mais crescem. A migração é um fenómeno social transversal em todo o mundo, sendo os motivos migratórios mais ou menos os mesmos em todo o lado.
Quais são os principais obstáculos que enfrenta quem emigra?
Ter iniciado o meu doutoramento em Sociologia Económica, para estudar mais a fundo o fenómeno da migração, está a proporcionar-me um conhecimento mais vasto sobre o tema, o qual não dominava até então. Percebi que tanto as experiências, como os desafios, são transversais à maioria dos emigrantes, independentemente do país de origem ou de acolhimento. Naturalmente, que depois surgem diferenças, nomeadamente as culturais e as linguísticas, por exemplo. Por esse motivo, não posso dizer que só os emigrantes portugueses se deparam com obstáculos. Na equação da migração há sempre que ponderar a situação familiar, a educação para quem tem filhos em idade escolar, os estilos de vida ou as rotinas de trabalho do país de acolhimento. Para quem emigra, há sempre o risco de não se identificar culturalmente com o país, não se integrar na sociedade de destino, ou simplesmente não dominar a língua que se fala no país.
Emigrar requer sempre um trabalho de casa preparatório, uma pesquisa exploratória do país de destino. Por isso, aconselho a todos aqueles que pretendam emigrar que façam um breve levantamento sobre o país para onde vão ou pretendem ir, que procurem falar com amigos ou familiares que já conheçam o destino, para diminuir as probabilidades de insucesso da experiência migratória.
Como é que quem emigra pode alimentar os laços com as suas origens?
Hoje em dia está tudo bem mais facilitado em termos de comunicação e da manutenção dos laços com a nossa família e o local de onde saímos. Quando emigrei para Angola, em 2005, não existiam as redes sociais de hoje, pelo que comunicar regularmente com a família e os amigos era mais difícil. Isto para dizer que uma das formas como se pode dar continuidade aos laços que temos com o nosso país de origem é através das plataformas online (voz e vídeo). Por isso, a comunicação constante com quem deixamos para trás é fundamental para podermos abraçar o desafio da migração com outra serenidade e motivação.
As saudades são sempre um processo complexo para quem emigra, mas se encontrarmos as nossas estratégias tudo se torna mais fácil. E depois temos sempre as relações com as comunidades portuguesas nos países de destino. No meu caso, quer em Angola, quer em Timor-Leste, convivi sempre com amigos portugueses. Amigos esses que se tornaram família e o meu porto de abrigo.
Hoje em dia é também relativamente fácil encontrarmos lojas e supermercados com produtos portugueses, nomeadamente nos países lusófonos ou em países cuja migração portuguesa é significativa. Por fim, qualquer português leva sempre na mala (depois de um período de férias em Portugal) uma boa posta de bacalhau, bom vinho e bom queijo para ir matando saudades da nossa gastronomia. Culturalmente, felizmente, há cada vez mais espetáculos de artistas portugueses junto das comunidades emigradas, o que também nos aproxima, de alguma forma, do nosso país e da nossa família.
Podemos entender a lusofonia como um mercado comum para quem procura uma mudança?
Eu diria que qualquer país ou comunidade é uma oportunidade para a mudança. A vantagem do espaço da lusofonia é, por um lado, o facto de termos uma língua comum. São nove países ligados pela mesma ponte, a língua portuguesa. Por outro lado, não podemos esquecer-nos de que a comunidade da CPLP representa cerca de 292 milhões de habitantes, com pelo menos 22 milhões de empresas registadas nos sistemas internos de registos de empresas. Ou seja, é sim uma enorme oportunidade para todos aqueles que pretendam emigrar para um país de expressão portuguesa.
Que conselhos deixa a quem pretende emigrar?
Eu sou aquela pessoa que aconselho toda a gente a emigrar, nem que seja por períodos mais curtos. Sair da nossa zona de conforto, conhecer novas culturas e pessoas diferentes de nós, permite-nos abrir horizontes e crescer pessoal e profissionalmente. Mas também é verdade que a migração não é para toda a gente, como também não é qualquer pessoa que tem perfil para ser emigrante. E, antes de tomar qualquer decisão, é fundamental que cada um de nós se visualize num país em que não conhece ninguém, não domina a língua ou a cultura desse país. Se, porventura, acontecer termos amigos ou familiares nesse local, tanto melhor, pois à partida a integração será mais fácil.
Emigrar requer alguns sacrifícios, como estarmos abertos a assimilar novos conhecimentos, novas formas de trabalhar, criar novas rotinas, estar disponível para estabelecer novas relações. Basicamente, começar do zero num país em que não temos referências. Em termos de características, diria que a resiliência emocional, capacidade de adaptação à mudança e capacidade para aceitar o que é diferente são as principais competências a deter por alguém que pretenda dar este passo. Recolher o máximo de informação do país é também uma ação necessária a realizar antes da partida.