O Banco de Portugal (BdP) pretende baixar a taxa de stress no crédito, ou seja, reduzir o montante simulado nos testes de stress aquando da contratualização de créditos a taxas variáveis e mistas. Esta é uma medida que visa sobretudo reduzir a restritividade no acesso a empréstimos numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) pretende fazer isso mesmo com o aperto monetário mais agressivo da sua história, e que levanta algumas dúvidas aos especialistas quanto á possibilidade de agravar o risco no sistema financeiro.
As atuais taxas previstas na instrução 3/2018 do BdP serão reduzidas a metade, uma medida que afetará sobretudo créditos à habitação e ao consumo com taxas variáveis ou mistas. Assim, quem procure contrair um empréstimo com maturidade superior a dez anos será sujeito a um teste de solvabilidade caso o juro contratado suba 150 pontos base (p.b.), ou 1,5%, ao contrário dos atuais 3%.
Para maturidades mais baixas haverá os ajustamentos em linha com a instrução: para prazos inferiores ou iguais a cinco anos, os atuais 100 p.b. passam a 50 p.b., ou seja, 0,5%; para maturidades superiores a cinco anos e iguais ou inferiores a dez, o teste de stress passa de 200 p.b., ou 2%, para 100 p.b., ou 1%.
A medida ainda terá de ser submetida a consulta pública – como, de resto, faz parte deste género de procedimentos administrativos –, onde ficará durante 30 dias úteis. A expectativa é, portanto, que entre em vigor no final de setembro ou início de outubro.
A subida dos juros mais agressiva da história do BCE tem levantado problemas no acesso ao crédito em Portugal, um dos países com maior exposição a taxas variáveis, sobretudo no crédito à habitação. Vera Gouveia Barros, economista, lembra que estas regras, embora restritivas no acesso ao crédito, existem “para evitar males maiores”, pelo que “não é afrouxando-as que resolvemos o problema”.
“Esta medida parece-me uma daquelas decisões que se tomam por pressão da conjuntura, sem se pensar muito bem nos impactos que terá”, afirma, mostrando-se mesmo preocupada com a possibilidade de aumento do incumprimento. Por outro lado, é uma política que contraria claramente a estratégia atual do BCE, que visa precisamente aumentar a restritividade do crédito e combater a inflação, continua a economista.
"Ora, o incumprimento é um problema para a banca e, como bem sabemos, os problemas da banca transformam-se em problemas de todos porque somos chamados a pagá-los", completou.
Recorde-se que a autoridade monetária europeia subiu os juros em 425 p.b. no último ano, a subida mais agressiva na história do banco central, que se deparou com uma inflação elevada e persistente que bateu recordes da curta história da moeda única.
Também a Deco havia já alertado para o aumento do endividamento decorrente deste relaxamento das recomendações macroprudenciais do BdP, ao facilitar a concessão de crédito às famílias. E se o objetivo é facilitar o acesso à habitação, Vera Gouveia Barros alerta que tal pode nem acontecer.
“Pode nem ter o efeito desejado”, visto que os preços das casas tendem a incorporar este tipo de movimento. Ou seja, se a capacidade de endividamento das famílias aumentar, os preços ajustar-se-ão em linha, não contribuindo para maior acesso a habitação para as famílias.
"Da parte do Banco de Portugal, creio que o papel mais importante que poderia desempenhar nesta matéria tem que ver com a literacia financeira", defende, lembrando que as "FINE são obrigatórias, mas quantos são os portugueses capazes de as interpretar e fazer delas dos instrumentos úteis que deviam ser?".
Do lado do Governo, há medidas para estimular a habitação bem mais proveitosas, argumenta. "Além da entrada, as famílias que queiram comprar casa têm de ter o montante para pagar o IMT. Sugiro que se siga a via da reforma deste imposto como forma de facilitar o acesso à habitação", uma alteração mais eficaz e segura do ponto de vista das finanças públicas.