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Aumento da tensão no Médio Oriente? "Vamos ter um problema para as famílias, as empresas e para a economia", alerta Costa Silva

Especialista em energia deixa sérios alertas sobre os riscos para o mundo do aumento da tensão no Médio Oriente que poderá provocar a subida dos preços da energia: "vamos ter uma crise dificílima nos mercados internacionais de energia".

A tensão já dura há décadas, mas tem escalado nas últimas semanas. A 27 de setembro, Israel matou o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah. Dias depois, o Irão atacou Israel com mísseis, e Telavive já prometeu vingança.

Nas últimas semanas, têm-se multiplicado as notícias sobre eventuais alvos de Israel no Irão: instalações petrolíferas ou instalações nucleares estarão entre os alvos favoritos.

O especialista em energia António Costa Silva analisa a atual tensão no Médio Oriente e alerta para os riscos que podem advir para o mundo do aumento do conflito naquela região: "Vamos ter uma crise dificílima nos mercados internacionais de energia".

"Não há vida sem energia. Não há civilização sem energia. Se a tensão for maior, os preços são muito mais elevados, e temos um problema para as famílias, para as empresas e para a própria competitividade da economia", alertou.

"Até agora, quando Israel esteve envolvido nas guerras com o Hamas na Faixa de Gaza e também com o Hezbollah no Líbano, o mercado energético incorporou, digamos, essas, essas potenciais vulnerabilidades. Mas o que se está a passar agora é de uma escala completamente diferente, porque o Irão é um grande produtor mundial de gás e de petróleo. E a guerra do Irão com Israel configura a desestabilização de todo o Médio Oriente", começou por dizer António Costa Silva ao JE.

Analisando o Estreito de Ormuz, por onde passa diariamente entre 20% a 25% de toda a produção mundial de petróleo de gás, destaca que é um dos "pontos de engarrafamento do sistema energético internacional, como também é o Estreito de Malaca. Se tivermos o Estreito de Ormuz, sujeito a ao desenvolvimento de guerras e de atritos, eventualmente a ser paralisado, vamos ter uma crise dificílima nos mercados internacionais. E isto seria muito mais pesado do que a crise de 2022 que já desestabilizou completamente o mercado europeu da energia, porque a Alemanha, na altura com miopia política, cometeu o erro de só confiar no gás barato da Rússia que terminou".

"Agora, a Alemanha está à procura de configurar o seu modelo energético. E ainda por cima, o gás natural tem um efeito muito grande nos preços dos mercados de eletricidade na Europa. Já temos os preços do gás na Europa, da eletricidade e de cerca de três vezes mais que os Estados Unidos do gás 4 a 5 vezes mais.Temos a Europa numa situação muito difícil.  A fatura energética nos últimos dois anos da Europa passou de 340 mil milhões para 410 mil milhões de euros, aumentou 22% em pouquíssimo tempo", acrescentou.

O ex-ministro da Economia aponta que a "energia mais cara provoca grandes dificuldades para a economia europeia. Sobretudo para a economia alemã, que é o motor da Europa e, em cima disso, uma crise entre o Irão e Israel pode ser uma desestabilização completa do sistema energético internacional. E é isso que nós não queremos".
 
Cerca de 20% do fornecimento global de petróleo passa pelo estreito de Ormuz. A interrupção do trânsito marítimo nesta via terá um grande impacto no fornecimento e preços dos combustíveis fósseis.

Por dia, mais de 20 milhões de barris diários de petróleo passam pelo estreito de Ormuz, com 75% a destinarem-se à Ásia, com 7,5 milhões de barris a passarem pelo canal do Suez com destino à Europa e Américas.

Por ano, passam mais de 100 mil milhões de metros cúbicos de gás natural pelo Estreito de Ormuz, mais de 80% para os mercados asiáticos.

António Costa Silva destaca que a Europa está a consumir cada vez mais gás que obtém nos mercados internacionais através do transporte de Gás Natural Liquefeito (GNL), estando "muito sujeita hoje ao preço do gás no spot market".
 
Antes da invasão da Ucrânia, o GNL pesava 20% no consumo europeu, mas atualmente pesa mais de 40%.
 
 Questionado sobre se o mundo pode vir a vir um "choque petrolífero" semelhante ao ocorrido em 1973, o gestor considera que a "origem é diferente, porque em 1973 foi o embargo petrolífero, com a nacionalização também dos interesses petrolíferos pelos países do Golfo e nessa altura, os preços do petróleo dispararam nos mercados internacionais e conduziram a uma das piores recessões de que há memória".

"Não sou favorável a analogias históricas. Hoje há situações muito diferentes. É preciso ver que também tivemos uma descentralização do sistema energético. Já temos outras zonas produtoras no mundo. Os Estados Unidos são hoje também uma superpotência energética, com o óleo de xisto e o gás de xisto. São o maior produtor mundial de petróleo ao lado da Arábia Saudita. São o maior produtor de gás", explicou.

"Só que o mercado, por exemplo, do petróleo, é um mercado líquido que funciona no mundo inteiro e, portanto, qualquer perturbação num sítio tem contamina os presos e isso tem efeitos de arrastamento. E o do gás ainda não é completamente líquido no mundo. Ainda há partes compartimentadas, mas está em aceleração e, portanto, todos estes eventos podem ter efeitos muito, muito negativos", acrescenta.
 
O especialista em energia acredita que a invasão da Ucrânia marca o "momento da viragem na Europa", com o fim da "dependência do gás barato russo".

A Europa aumentou em "88% as importações de energia do Qatar em em 2022 e também dos Estados Unidos em aumentou 52% e, portanto, são os dois grandes fornecedores. Depois temos a Nigéria. Aliás, Portugal recebe parte do gás da Nigéria. O outro vem por Pipeline, da Argélia, via Magreb. Não há, digamos, uma dependência atroz do Médio Oriente, como temos, como tínhamos de outros países e temos de outros países".

Ao final da tarde de terça-feira, o barril de Brent (futuros para dezembro) subia mais de 2,3% para mais de 76 dólares. No espaço de um ano, o petróleo desvalorizou quase 20%.

Sobre os impactos de uma crise energética nos preços, avisa que "podem, em último caso, impactar o país se não estivermos atentos e não guardarmos, como fizemos em 2022, com os grandes planos de ajuda às empresas e às famílias, com o mecanismo ibérico do gás. E atenção, os 1.500 milhões de euros que foram despendidos na altura para reduzir cerca de 13% nos preços dos combustíveis. Foi feito na altura que era reduzir proporcionalmente a redução do IVA. Provavelmente, na altura, não conseguimos comunicar muito bem essas medidas, mas tiveram um efeito grande. Tanto assim que a economia em 2022 cresceu 7%, segundo os últimos dados do INE. E o ano passado, 2,5% também, segundo os dados do INE", disse, sobre as medidas do seu Governo.