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Augusto Mateus alerta para 'armadilha' das exportações brutas e defende impostos alinhados com Europa

O antigo ministro apresentou o seu estudo para a CCP onde pede uma abordagem centrada no valor acrescentado de cada indústria, defendendo uma maior aposta na diferenciação das indústrias portuguesas e menos complexidade no sistema fiscal.

A evolução da economia portuguesa nas últimas duas décadas é inegável, mas as exportações e o seu contributo para o crescimento têm sido interpretadas de forma errada, privilegiando o produto global em vez do valor acrescentado. Esta é uma das observações de Augusto Mateus, antigo ministro da Economia, que defende assim uma mudança de abordagem nas decisões estratégicas nacionais e um maior alinhamento da fiscalidade nacional com a dos nossos concorrentes mais diretos, sob pena de penalizar a competitividade portuguesa.

As conclusões são de um estudo elaborado pelo economista e ex-ministro para a CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal intitulado “O Contributo do Comércio e Serviços para a Competitividade e a Internacionalização da Economia Portuguesa”, que foi apresentado esta segunda-feira. Nele, o também professor faz um diagnóstico de vários problemas estruturais da economia portuguesa, começando pela seleção pouco eficiente de sectores-chave numa estratégia de desenvolvimento pouco definida.

"A prioridade conferida à simples promoção do crescimento das exportações brutas pode representar, mesmo, uma espécie de armadilha na conceção e execução da política pública, onde deve prevalecer, não a procura desse mero aumento, mas a otimização do contributo dos diversos investimentos, que materializam a afetação de recursos na economia portuguesa, para a geração de valor acrescentado suficiente para permitir a melhoria sustentada da remuneração dos fatores produtivos", lê-se no documento.

O autor começa por destacar que vários dos ramos vistos como fundamentais na transformação da economia portuguesa nas últimas duas décadas, como o dos produtos químicos, o dos componentes automóveis ou o dos aparelhos elétricos e eletrónicos assentam numa cadeia de valor com muitas importações intermédias, o que resulta em pouco valor acrescentado.

Pelo contrário, sectores mais tradicionais e que têm perdido alguma importância relativa nos últimos anos, como o agroalimentar ou o vestuário, mostram um valor acrescentado bastante superior. No entanto, e numa economia mundial cada vez mais terciarizada, a diferenciação tem de acompanhar o desenvolvimento destas atividades, de forma a afirmar a produção nacional lá fora.

Como tal, a recomendação é para que se “leve a sério a economia do valor e se esqueça a das quantidades”, o modelo mais vigente até agora. Este é um processo que já se verifica, em parte, em Portugal, que “deixou de se valorizar por bens e passou a valorizar-se por serviços nos últimos 20 anos”, mas ainda há um longo caminho por percorrer.

Um sinal claro desta tendência é que o sector terciário já pesa dois terços da economia total portuguesa, um salto assinalável em relação ao registado no final da década de 1950, quando representava apenas 37,2%.

Pegando no exemplo do têxtil, Augusto Mateus sublinha que “é esta a diferença entre ‘têxtil’ e ‘moda’”, comparando com o sector italiano do vestuário, onde as características intangíveis são bastante mais fortes do que as do sector português. Assim, a “articulação entre bens e serviços é indispensável”, considera, tal como entre o sector público e privado, que têm tido uma “relação estanque” no nosso país.

“Precisamos de uma nova política económica destinada ao ‘como’ em vez de ‘o quê’. É onde criarmos mais riqueza, formos mais competentes, formos capazes de ganhar mais mercado”, explica, pedindo que não se insista mais “numa espécie de corrida aos fundos estruturais”.

Questionando algumas das discussões estratégicas que têm sido tidas no país nos últimos anos, nomeadamente a localização do novo aeroporto ou a distribuição das linhas de alta velocidade, o antigo governante pede que se pense o acréscimo de competitividade que estes investimentos trarão, por oposição à atual e recorrente discussão pouco frutífera.

“Um país, para ter futuro, usa os fundos europeus em função das suas políticas. […] Em Portugal, tem havido um primado de decisões motivadas por haver dinheiro e se preciso gastar. Tem havido público a mais e privado a menos e, dento disto, público a menos”, resumiu.

Na mesma linha, é necessário um maior alinhamento entre o sistema fiscal português e o do resto da Europa, sob pena de Portugal perder competitividade e atratividade para o investimento. Na prática, tal traduzir-se-ia numa redução em torno de seis pontos percentuais na tributação deita aos lucros das empresas, mas há mais: no caso das pequenas empresas, que “sistematicamente apresentam pequenos prejuízos” para evitar pagar imposto, é preciso simplificar o sistema.

“Devia ser fundamental numa política de competitividade em Portugal uma descomplicação tributária para pequenas empresas. Quando se complica, a consequência é uma esmagadora maioria de PME que apresentam sistematicamente um ligeiro prejuízo”, rematou, argumentando que a diferença de seis pontos na tributação dos lucros “destroem a parte [do lucro] para investir, nunca a parte para redistribuir”.