A reunião do Banco Central Europeu (BCE) em outubro ficou marcada pela discussão entre os membros mais agressivos em termos de política monetária e os mais conservadores sobre a real tendência da inflação na moeda única, bem como pelos riscos ao crescimento no bloco europeu. A decisão acabou por passar por uma descida de juros, mas os ‘falcões’ sinalizaram vontade de ver uma pausa nos cortes, caso a atividade recupere até ao final do ano.
As atas da reunião que resultou numa descida de 0,25 pontos base (p.b.) para uma taxa de referência de 3,25% mostram alguma divisão no seio do banco, sobretudo dados os problemas do lado do crescimento. Com a atividade na zona euro a abrandar claramente, os membros mais agressivos do comité do BCE acabaram por ser convencidos a aceitar a descida de juros como uma medida de “gestão de risco”.
“Alguns membros expressaram inicialmente uma preferência por conhecer mais dados e esperar até dezembro, quando uma avaliação mais detalhada das perspetivas de médio prazo estaria disponível. No entanto, estes membros compreenderam o argumento da gestão de risco, expressando assim o seu apoio à proposta”, explica a ata.
A visão alternativa defendida por estes membros passava por aguardar até à reunião de dezembro, pelo que o compromisso passou por não cortar na próxima reunião, caso os dados relativos à atividade e crescimento mostrassem melhorias. Nesse caso, a descida de outubro funcionaria, na prática, como “um adiantamento do corte em dezembro”.
“Como tal, o risco associado a cortar é baixo”, lê-se no documento.
Para os analistas do banco neerlandês ING, “as preocupações com o crescimento tornaram-se o fator predominante por detrás da política monetária”, o que explica a aceleração nos cortes. “Caso o sentimento do BCE não se altere, dado este ambiente estagflacionário e a pressão adicional criada pelas políticas norte-americanas, a questão para dezembro deixa de ser se o BCE irá cortar novamente taxas, mas sim se o corte será de 25 ou 50 p.b.”.
Os dados mais recentes da inflação mostram uma aceleração em outubro, embora essa tivesse sido já prevista pelo banco central. Na reunião de setembro, a presidente Christine Lagarde havia avisado que, após a “baixa leitura” do indicador de preços naquele mês, o último trimestre traria nova subida, cenário que se confirmou: depois de 1,7% em setembro, outubro registou 2%.
Do lado do crescimento, a economia da zona euro também ficou acima do esperado, avançando 0,4% no terceiro trimestre, contra uma projeção de 0,2% pelo BCE.
Classificando a decisão de cortar como “fazendo sentido”, a análise do ING não deixa de salientar que esta “desviou da habitual ênfase na dependência dos dados”, com o BCE “com medo de ficar atrás da curva pela terceira vez em três anos”. Contudo, com os dados a mostrarem um cenário ligeiramente mais otimista do que o esperado (e apesar dos riscos no crescimento estarem claramente inclinados para o negativo), “vários membros poderão começar a duvidar da inversão de política”, remata a nota de pesquisa.