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António Ramalho: "Esqueçam a baixa dos impostos é um sonho que não se vai concretizar"

O gestor, ex-CEO do Novobanco foi convidado a falar no Fórum Link To Portugal e prevê que "vamos ter cada vez mais Estado [na economia]" e por isso "a questão vai focar-se na sua eficiência". Por outro lado, "a banca vai ser um instrumento de aceleração do processo de transição climática e de sustentabilidade".

António Ramalho foi o keynote speaker do IV Fórum Link to Portugal, organizado pela plataforma Portugal Agora, que debateu o papel de Portugal na Nova Economia Global e veio dizer que "não tem más notícias sobre a economia portuguesa, porque esta tem tido bom comportamento e está a beneficiar de várias circunstâncias específicas, nomeadamente de um preço da energia relativamente controlado e de uma disciplina orçamental que se manteve de 2012 até hoje, e por estar longe da guerra e estar a beneficiar do processo de desglobalização".

Mas avisa: desengane-se quem acha que há margem para o Governo reduzir a carga fiscal, pois "vai haver um maior papel do Estado na economia". Tudo porque o modelo de transição energética tem um custo elevado, o envelhecimento da população tem custos e a reconstrução da Ucrânia virá a ser uma prioridade.

O gestor, ex-presidente do Novobanco, foi desafiado pelo o presidente da direção da Portugal Agora, Carlos Sezões, a falar do posicionamento português numa economia global tão imprevisível quanto em transformação, mas decidiu "tornar a economia previsível" e por isso dissertou sobre o que, na sua opinião, vai acontecer na economia global, sobre o que é preciso que Portugal tenha, e "onde é que estamos hoje do ponto de vista económico". No mesmo fórum traçou os desafios para a sociedade portuguesa.

O gestor, licenciado em Direito e que foi banqueiro uma boa parte da sua vida profissional (aos 29 anos já era administrador do quarto maior banco português) falou do legado "muito significativo" que carrega, lembrou que ao longo da sua vida passou "a revolução do inglês, a revolução da tecnologia, a revolução dos mercados e a revolução dos talentos".

"O que é que eu acho que neste momento se verifica no mundo? Verifica-se que o nível de imprevisibilidade é muito grande no curto prazo, mas as grandes tendências mundiais são razoavelmente estimáveis em alguns pontos essenciais e alguns deles são razoavelmente pacíficos. Primeiro, parece-me inegável que vamos entrar num período de grande investimento em transição energética. Os níveis de exigência de sustentabilidade, os níveis de esgotamento de alguns dos modelos tradicionais de energia elétrica não recicláveis, e a existência de uma preocupação global em relação a estes temas [ESG], impõe inevitavelmente um processo de transição energética e de sustentabilidade que é caro, significativo e disruptivo", referiu António Ramalho.

Sistema financeiro vai ser chamado a intervir na sociedade

"O que há de novo aqui é que o sistema financeiro, que até agora não tinha sido chamado a ter uma atividade política orientadora da sociedade, está a ser chamado a ter uma intervenção na alteração da sociedade. Isto é, o nível de exigência regulatória que está a ser imposto a todo o sistema financeiro, com relação a um conjunto de temas específicos, pode levar a que o próprio sistema venha a ser alterado significativamente", defendeu o ex-presidente do Novobanco que citou o caso do BBVA, que, no ano passado previu que no prazo de três anos tenha que substituir 80% da sua carteira de crédito. "Exatamente porque há condicionalismo específicos do ponto de vista das exigências creditícias sobre as instituições financeiras que podem levar à morte antecipada de algumas indústrias de uma forma proativa", acrescentou.

A banca vai ser um instrumento de aceleração do processo de transição climática e de sustentabilidade. "Em Portugal a banca está sólida e tem capacidade de assegurar essa tarefa", defendeu Ramalho.

"Neste momento há uma discussão séria se os bancos podem ou não podem no futuro vir, por exemplo, a financiar carvão. Imaginem a alteração que isto significa do ponto de vista da estrutura existencial e isto é significativo porque vai ser um processo, digamos assim, onde as estruturas de risco e as estruturas de capital alocado vão ser seguramente alteradas", alertou o ex-banqueiro. "A banca carrega neste momento um fardo natural de crises e portanto tem pouca capacidade de reação a modelos políticos que utilizem o sistema de financiamento". Por outro lado, refere, a banca ainda não perdeu importância suficiente na sociedade para ser substituída por outros players e isso é particularmente grave em Portugal porque toda a gente se financia na banca, e é menos importante nos países anglo-saxónicos", disse António Ramalho.

"Depois inegavelmente vamos ter uma nova revolução industrial baseada num processo de digitalização muito significativo e com um acréscimo da importância da inteligência artificial", defendeu o gestor.

"Isto vai significar uma alteração profunda dos modelos de trabalho e até vai criar problemas éticos e existenciais", referiu o gestor citando o relatório da OCDE.

O relatório Inteligência Artificial e Empregos, divulgado na passada terça-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aponta que 27% dos empregos dos países da OCDE são de profissões com alto risco de automatização pela inteligência artificial. No documento, a organização defende que os países precisam agir já com políticas que lidem com os riscos da inteligência artificial para o mercado de trabalho. “Os governos precisam garantir que a IA sirva para criar mercados de trabalho inclusivos, em vez de os prejudicar”, diz o relatório citado por António Ramalho.

O ESG – Environmental, Social and Corporate Governance (ambiente, social e governança empresarial) "vai desclassificar aquilo que é tradicional numa organização das empresas, na prática vem dizer que os stakeholders são tão ou mais importantes que os shareholders, o que significa uma alteração profunda nos modelos de governação, nos modelos de responsabilização e avaliação que a sociedade faz das empresas".

Depois há os "inegáveis modelos específicos da transição climática", disse lembrando que "todos os dias sabemos a temperatura média da Terra". "O conhecimento da realidade é o primeiro passo para ela nos preocupar", rematou.

António Ramalho falou ainda do "natural envelhecimento das populações, que é um fenómeno mais europeu e ocidental do que mundial, mas a verdade é que os países que são drivers do crescimento económico estão a envelhecer o que traz um desafio tremendo à sociedade". O modelo da reforma aos 65 anos, diz, "está completamente desatualizado do ponto de vista da organização da sociedade".

Por isso vaticina que "vai haver um maior papel do Estado". Tudo porque o modelo de transição energética tem um custo elevado, o envelhecimento da população tem custos e a reconstrução da Ucrânia virá a ser uma prioridade, defende António Ramalho. "Esqueçam a baixa dos impostos é um sonho que não se vai concretizar", pois o  sistema de tributação vai ter de ter  em conta estas realidades para o futuro.

Ramalho considera que estamos perante um processo irreversível de "desglobalização ou de regionalização global". Até agora o mundo trabalhava com um modelo comercial em que o preço era o mais revelante, mas o preço deixou de ser o mais relevante, já que "a garantia da cadeia de fornecimento e a garantia de proximidade das decisões vai limitar o modelo de globalização" passou a ser mais importante, defendeu.

"É com esta economia global que vamos ter de trabalhar", resumiu.

Qual é a economia que temos?

O PIB português não tem crescido mas "compensou a terrível desvalorização do sistema financeiro", disse o ex-banqueiro que lembrou que a banca perdeu "mais do que um PIB em importância relativa".

António Ramalho relatou que há também uma alteração do modelo regional, pois o maior PIB está no Norte de Portugal, porque passou a ser muito mais baseado em exportações, explica.

O PIB português soma 210,4 mil milhões em 2022, segundo a Prodata, e em termos per capita é de 20,1 mil milhões.

O período da troika foi muito importante para Portugal, defendeu António Ramalho, que voltou a dizer que a caraterística portuguesa que mais sobressai é que "a malta safa-se sempre", porque "arranjamos sempre uma solução para os problemas".

"Agora temos superávits gémeos, o que é uma novidade, somos ganhadores do ponto de vista das contas externas e das contas públicas", disse o gestor que frisou que Portugal tem de baixar a dívida abaixo dos espanhóis e dos franceses. "Portugal vai usar a inflação, como imposto que é, para baixar a dívida", disse António Ramalho que ironicamente deixou a questão: "quem é que os portugueses acharam que iam pagar a dívida dos portugueses?".

"Depois de 2011 o temor do excesso de dívida pública para os portugueses é como o temor dos alemães pela subida da inflação", lembrou.

"Também é bom saber que o desemprego continua muito baixo (6,4%)", disse Ramalho que alertou no entanto "que estamos a exportar os bons quadros e a importar pessoas indiferenciadas".

"A inflação tem três braços"

António Ramalho lembrou ainda que a inflação portuguesa "está a comportar-se relativamente bem". A inflação tem três braços, disse. A inflação atual nasce do lado da oferta, aumento dos custos de energia, bens alimentares e cadeias de distribuição e começou a subir mesmo antes do conflito na Ucrânia. Depois disso veio a subida das taxas de juro pelos bancos centrais para combater a subida dos preços o que "permitiu que as diversas estruturas empresariais viessem a reorganizar as suas margens de lucro. Quem ganhou foi obviamente a produção porque alargou as suas margens de lucro. Há muitos sectores onde isso aconteceu",  disse o gestor. Para além da distribuição o aumento das margens de lucro aconteceu na banca, explicou Ramalho, falando da margem financeira. "A banca está a trabalhar com margens de 2%" disse acrescentando que "isso não é mau".

A terceira razão da inflação é que o consumo se mantém alto e resiliente, considera.

"As políticas monetárias já não estão a funcionar há muito tempo porque quando estiveram baixas e negativas não despoletaram investimento só resolveram problemas de reestruturação da dívida e do passivo dos bancos", referiu o ex-CEO do Novobanco.

"Agora que as taxas de juros estão altas para restringir o consumo, não estão a restringir o consumo", sublinha o gestor.  "Parece que ainda há poupanças do tempo do Covid porque a subida das poupanças em certificados de aforro supera a descida dos depósitos dos bancos", disse ainda.

Existem assim três instrumentos que justificaram a inflação: o consumo continua resiliente; as margens de lucro reorganizadas dentro dos diversos sectores (mas não vão a subir ad-eternum); e a subida das matérias-primas (essa já não existe), resume António Ramalho.

O gestor lembrou também que a casa própria não é um bem de investimento é um bem de consumo duradoiro.

"O modelo funciona bem para a resiliência portuguesa", defende Ramalho que prevê que a inflação homóloga vai continuar a descer e vai ficar abaixo de 2%, mas a média ficará acima ainda no próximo ano.

O problema continua no consumo, por causa das subidas salariais. António Ramalho citou Christine Lagarde, presidente do BCE que apelou a que não se aumentem os salários.

Os bancos centrais, exactamente porque as políticas monetárias já começam a ter pouca reação, passaram a usar o efeito psicológico na gestão da expectivas, explicou.

Recorde-se que a presidente do Banco Central Europeu (BCE) prometeu agir caso venha a assistir a um “aumento duplo” das margens e dos salários.

António Ramalho defende que Portugal vai acabar 2023 com um crescimento económico acima de 2,5% e diz que o sistema financeiro está particularmente sólido e com grande liquidez.

O ex-CEO do Novobanco lembrou que a banca portuguesa têm rácios de credito vencido muito baixos e sinal disso é que ninguém se lembra de notícias recentes sobre "necessidades de aumentos de capital na banca".

A falta de procura de crédito adicional é talvez o maior problema atual da banca, disse Ramalho que defende que isso provocará uma transformação do negócio.

Já questionado se a subida dos juros e a redução do rendimento das famílias vai provocar uma degradação da qualidade da carteira de crédito? António Ramalho considera que não e diz que tem "uma perspetiva extraordinariamente positiva sobre a performance do crédito à habitação" e sobre o mercado imobiliário em Portugal, "que é um sector que fez um trabalho fantástico,pelo que não vejo riscos significativos no imobiliário".

PRR. O importante é que os fundos aplicados sejam rentáveis

Sobre o PRR, o gestor considera que Portugal tem demonstrado falta de capacidade de utilizar o investimento público de forma saudável. "Não somos mestres máximos na execução" disse Ramalho que invoca a fraca capacidade de utilização dos fundos públicos a partir de determinada utilidade marginal. "O que é importante é que os fundos europeus que sejam aplicados sejam muito rentáveis", defendeu.

Mas Portugal beneficia da "regionalização global", porque a necessidade de os países irem buscar fornecedores mais próximos obriga a uma política de proximidade, e os países que são flexíveis em termos de preços salariais têm mais capacidade de resposta, considera Ramalho.

O gestor lembrou que a proximidade de circulação beneficiou o turismo em Portugal, que está mais longe da guerra na Europa. "Os custos do turismo subiram 45% e estamos com tudo cheio", disse ainda.

Temos uma vantagem que temos estado a desaproveitar, referiu. "Não é possível trabalhar em regionalização pura", disse. "O nearshoring [quando uma empresa transfere as suas operações ou a sua produção para um país com custos mais baixos] é uma realidade, mas tem de ser compensado. Ao nearshoring vai juntar-se o friendshoring [fabricar e abastecer de países que são aliados geopolíticos]", considera António Ramalho que acrescenta "vamos ter de aproveitar esta conjugação de estrelas para beneficiar do nearshoring e do friendshoring". O gestor considera ser uma oportunidade perdida "o não aumento de trocas comerciais e investimentos recíprocos com os países da CPLP".

Gestão da dívida pública vai ser importante

"A gestão da dívida pública vai ser importante, porque os gastos do Estado não vão diminuir e o envelhecimento da população vai criar  progressivamente mais exigências nas duas áreas mais críticas, a segurança social e a saúde", frisou António Ramalho.

"Já passámos o Bojador no que toca à Segurança Social", porque no mercado eleitoral a população no passivo tem a mesma dimensão que a população no ativo, o que dificulta politicamente rever a fórmula de cálculo das pensões, explicou o gestor que considera ser este um desafio enorme para o país. Desafio que aumenta com a subida da inflação e com o seu impacto na vida não ativa, considera o gestor.

Ramalho lembra que os séniores vão querer suportar os direitos adquiridos. O ex-banqueiro lembrou o caso dos sindicatos dos bancários que representam os reformados e os trabalhadores no ativo, e que hoje têm mais reformados sindicalizados do que ativos, e portanto tendem a defender mais os direitos dos reformados.

"A inflação vai descer depressa, mas os juros não", afirmou António Ramalho que conclui que vai ter de ser adotado o princípio da incentivação da poupança (juros mais altos que a inflação). "Não prevejo mais períodos de taxa de juro real negativa", acrescentou.

"Vamos ter de assumir grandes gaps geracionais, por exemplo, a poupança está nos velhos e o investimento está nos novos, e isso tem relevância", disse ainda Ramalho.

Falta um sistema de incentivos em Portugal

Por outro lado, Portugal não tem um sistema de incentivos muito claro, disse o gestor que defende que "isso devia ser trabalhado".

Assumindo-se como um grande defensor do sistema de incentivos, tendo até dado o exemplo do sistema de incentivos que implementou na área comercial, em detrimento dos serviços centrais, no Novobanco quando o liderou, António Ramalho considera que "os sistemas de incentivos não precisam de ser justos, só precisam de ser seguros".

"Devíamos ter regressão fiscal, ou seja, as empresas deviam ter menos impostos à medida que tivessem maior dimensão, até porque, com taxa mais baixa obteríamos mais volume de impostos sobre lucros", defendeu, ao mesmo tempo que considera que "os modelos de incentivo têm de estar totalmente isentos de contribuições para a Segurança Social e desta forma não contarem para o montante pensionável, para que as pessoas possam suportar esse ónus mais tarde". Ou seja, António Ramalho defende um plafonamento progressivo e virtuoso.

Resumindo, António Ramalho antevê que a descida dos impostos não vai ser possível por causa do acréscimo da despesa do Estado, mas considera possível a reorganização dos impostos. "Em função do que for a decisão sobre a despesa (isto é, que despesa e serviços queremos ter) é que o país deve reorganizar a receita. A discussão em Portugal tem de ser fazer do lado da despesa", frisou.

O gestor considera que o Estado devia ser mais eficiente, pois "uma vez que vamos ter mais Estado [na economia] a questão vai focar-se na sua eficiência".

"Nós temos a administração fiscal mais eficiente da Europa, por causa da informatização do sistema, porque os incentivos foram corretos para implementar esse modelo", disse Ramalho para dar exemplo da importância "dos incentivos corretos".

A esperança, diz o gestor, é que "face às circunstâncias nos tornemos eficientes".

O gestor falou ainda da mutualização da dívida europeia, que já não é uma novidade na UE desde o Covid, "a partir do momento que houver euro bonds vamos ter um sistema ainda mais exigente do ponto de vista da consolidação orçamental, por causa da Alemanha e da sua obsessão com a inflação".

Carlos Sezões: "queremos definir caminhos para uma estratégia mais afirmativa de Portugal"

“Neste novo contexto global pós-pandemia e com os conhecidos realinhamentos geoestratégicos, queremos definir caminhos para uma estratégia mais afirmativa de Portugal, numa ótica de internacionalização das nossas empresas e de atração de investimento e competências. Em algumas áreas devemos ser líderes e não meros seguidores!”, considera Carlos Sezões, o presidente da direção da Portugal Agora. “Para além disso, o trabalho e experiência dos portugueses na diáspora é uma das principais mais-valias para a marca Portugal, oferecendo expertise e notoriedade que alavancam o nosso potencial”, acrescenta o responsável da plataforma.

O Fórum Link To Portugal pretende promover ideias da diáspora, com o contributo de portugueses(as) que se encontram pelo mundo, profissionais de referência nas áreas empresarial, científica, cultural ou outras - que acrescentem valor com a sua visão e propostas.