A provedora exonerada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Ana Jorge, recusa a acusação da ministra do Trabalho de que não tomou medidas para reestruturar a instituição e acusa-a, por seu lado, de desconhecer como esta funciona.
Ouvida na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão da Assembleia da República, Ana Jorge afirmou-se indignada com as críticas feitas pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), Maria do Rosário Ramalho, em entrevista à RTP, especialmente por ter dito que a mesa da SCML tinha agido em benefício próprio.
“[Revela] profundo desconhecimento da realidade da Santa Casa”, apontou, sublinhando que a instituição está abrangida pelo estatuto do gestor público e é nessa base que faz aumentos salariais.
Aos deputados a provedora exonerada, que se mantém em funções até ser nomeada uma nova equipa de gestão, afirmou que, “perante a situação crítica” detetada em maio de 2023, quando tomou posse, “a Mesa da Santa Casa tomou, em 16 de junho de 2023, um conjunto de medidas de sustentabilidade financeira”, explicadas num documento entregue à nova ministra, na primeira reunião entre as duas.
Foi pedida informação adicional, através de uma lista enviada pelo chefe de gabinete no dia a seguir à reunião, e, segundo Ana Jorge, foi dito a Maria do Rosário Ramalho que seria enviada toda a informação necessária, o que contraria o que disse a ministra de que nem sequer houve resposta aos vários pedidos de informação. Dias depois, foi entregue uma ‘pen’ com documentos.
Ana Jorge contou, ainda, que disse à ministra, na tal primeira reunião, que estava disponível para se manter em funções, e que esta terá aceitado.
Segundo Ana Jorge, na ocasião, Maria do Rosário Ramalho perguntou-lhe por um plano de reestruturação, ao que a provedora disse não ter um documento, mas alegando haver várias medidas que elencou à ministra. Perguntou, também, quantas pessoas a provedora iria despedir e defendeu que o Acordo de Empresa alcançado seria para cair.
Internacionalização com risco
Ana Jorge foi nomeada provedora da SCML a 2 de maio de 2023, quando foi exonerado o seu antecessor, Edmundo Martinho, e foi ela própria exonerada, “com efeitos imediatos”, em 30 de abril de 2024.
Disse que quando chegou à SCML pediu, “com caráter de urgência”, um levantamento da situação económica e financeira da instituição que, um mês depois, foi apresentado à tutela, ainda a anterior ministra, Ana Mendes Godinho.
Esse levantamento revelou uma SCML “em iminente rutura financeira”, a necessitar de reforço financeiro na ordem dos 65 milhões de euros e a correr o risco de não conseguir pagar salários em setembro de 2023.
Mostrou também a “existência de negócios internacionais de grande complexidade”, com “fortes riscos financeiros e de reputação envolvendo diversos mercados, empresas, sócios e elevados valores transferidos e garantias com muito insuficiente transparência, escrutínio e realidade económica”, disse Ana Jorge.
Aos deputados, justificou o abandono da internacionalização dos jogos sociais porque punha em causa a missão da instituição e por haver “dados muito preocupantes” sobre o processo.
“A Santa Casa não tinha mais dinheiro para assumir mais responsabilidades financeiras no Brasil, correndo o risco de não ter capacidade para pagar ordenados e colocar a sua causa em risco”, disse.
Ana Jorge defende que ainda há tempo para “recuperar a Santa Casa”, apesar de admitir que “há muito para fazer na própria reestruturação interna” da instituição.
Garantiu que “a situação económica e financeira da Santa Casa não compromete a missão primordial de apoio aos mais vulneráveis e favorecidos” e que está previsto que a instituição tenha um resultado positivo de 2,4 milhões de euros em 2023.
Ex-ministra recusa privatizar jogo
Os deputados ouviram, também, a ex-ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que tutelou a SCML. A agora deputada confirmou que recebeu o email do ex-provedor Edmundo Martinho, que mencionava investimentos no Brasil, mas nega ter dado aval aos investimentos da Santa Casa Global que se têm revelado ruinosos.
Explicou que pediu a reavaliação das contas da SCML de 2021 e 2022 por duvidar da sustentabilidade financeira da instituição e diz que essa preocupação foi confirmada em 2023. Exonerado Martinho, confirmou que pediu a Ana Jorge uma avaliação urgente da situação. “Pedi à provedora, mal tomou posse, um ponto de situação económico-financeiro da Santa Casa, face ao impacto dos vários anos da pandemia, seja ao nível das despesas, seja ao nível das receitas. E foi nessa sequência que, numa primeira análise, que a provedora Ana Jorge e a Mesa me sinalizaram preocupações com o projeto de internacionalização do jogo”, afirmou.
Refutou, ainda, a ideia defendida por Edmundo Martinho, quando foi ouvido no Parlamento, de que a privatização do jogo seria o móbil que justificava a sua saída. “No meu mandato nunca esteve em cima da mesa, nem eu seguiria tal caminho porque sou frontalmente contra. Nunca esteve em equação. Espero, confio e estou certa de que também não estarão nas equações do futuro, porque não faz qualquer sentido e seria uma ameaça inaceitável à missão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, afirmou.
Com Lusa