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Ahmad Vahidi:o iraniano que acha que 41% é mais que 42,6%

Foram 66,2% nas eleições de 2008, 61,6% nas de 2016, 42,6% nas de 2020 e, finalmente, 41% nas deste ano, ocorridas a 1 de março passado. No Irão.

Nunca desde a revolução de 1979 tão poucos iranianos tiveram pachorra para ir votar. Os que foram, fizeram os conservadores ganhar – até pela razão simples de que não havia moderados, nem muito menos oposicionistas em quem votar.
Ahmad Vahidi, o ministro do Interior, foi o membro do governo destacado para anunciar os níveis de votação e para dizer as enormidades que se lhe seguiram: que a votação era manifesto necessário e suficiente para demonstrar o empenho dos iranianos na defesa do seu regime. A tese é impossível de provar, mas a comunidade internacional também não estaria propriamente à espera de outra coisa.
Ao contrário do que disse Ahmad Vahidi, a tão pouco numerosa demonstração de interesse ou de carinho pelo regime imposto pelos religiosos radicais desde 1979 dá mostra clara de que os aiatolas perderam tração com o povo – depois de já terem deixado claro que há muito não têm nenhuma tração com a realidade. Vale a pena recordar que estas foram as primeiras eleições desde que Mahsa Amini morreu enquanto estava sob custódia da chamada polícia moral do Irão, na sequência de ter cometido o grave crime de se apresentar praticamente nua (sem o véu) em público.
Na altura, uma parte muito substancial dos iranianos – desde os estudantes universitários até aos trabalhadores do mais importante sector do país, a indústria petrolífera – decidiu combater os conservadores acantonados no poder há quase 45 anos. O regime temeu ser trucidado pelas manifestações e o ocidente temeu que o regime não fosse trucidado pelas manifestações. Ganhou o segundo temor: milhares de presos e centenas de mortos depois, o regime dos aiatolas vacilou mas não caiu.
Antes de se dirigir diretamente às maldosas forças externas que sitiam a antiga Pérsia, Ahmad Vahidi teve palavras para a oposição interna – que aparentemente ainda existe. Disse o ministro do Interior que a “grande votação” era sinal claro de que o povo estava com o regime. Parece provável que Vahidi tenha confundido os níveis de votação com os níveis de abstenção – ou então o absurdo é de tal ordem, que nem vale a pena explicá-lo.
Para todos os efeitos, a jornada eleitoral foi mais uma evidência de que a caducidade do regime já foi atingida. O problema é que a forma estúpida como Donald Trump lidou com Teerão a quando da sua primeira investida sobre a Casa Branca – rasgando o acordo nuclear laboriosamente conseguido por Barack Obama – cimentou o regime do ponto de vista interno, e as duas guerras entretanto surgidas no planeta (Ucrânia e Palestina) fizeram o mesmo externamente. Por muito caduco que o regime esteja, a Rússia tratou de convocar o seu apoio na Ucrânia (que se estendeu à Síria e que ganhou alento no Iraque e no Afeganistão); e o Hamas – juntamente com o Hezbollah libanês e aqueles esganiçados generais hutis do Iémen – está cada vez mais dependente do dinheiro, do material militar e das loucuras políticas do Irão.
De algum modo, a perda da importância caseira é inversamente proporcional ao aumento da importância externa nos mais diversos palcos, todos eles aproximados ao Médio Oriente. O que, salvo melhor opinião, quer dizer uma coisa: ou o regime dos aiatolas cai ‘por dentro’, ou o mundo nunca vai ‘safar-se’ de ter de o aturar. Anão ser que Donald Trump tenha alguma ideia brilhante e, tal como fará no Donbass e em Gaza, resolva o assunto em 48 horas.

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