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"Acho que [o sell-off] é sobretudo uma correção natural do mercado", projeta Pedro Brinca

A descida a pique dos índices norte-americanos, num primeiro momento, e do resto do mundo, por arrasto, mais não será do que uma correção após um disparo nos juros diretores incapaz de conter a valorização dos índices norte-americanos, considera o economista Pedro Brinca.

Os medos generalizados de que o sell-off das últimas sessões bolsistas sejam um pronúncio de algo mais gravoso ao virar da esquina podem ser precipitados, considera o economista e professor universitário Pedro Brinca, que vê no fenómeno duas forças principais: por um lado, uma correção após meses de subidas nas bolsas norte-americanas apesar do disparar dos juros de referência e, por outro, uma pressão dos investidores para que os bancos centrais avancem de vez com a normalização dos juros. A evolução da dívida portuguesa confere uma segurança que o país não tinha na última crise financeira, mas os fundamentos por detrás do bom rating nacional são ainda pouco sólidos, alerta.

O que precipitou esta desvalorização nas bolsas?

Os números do mercado de trabalho, salários e emprego, estiveram muito abaixo do esperado, o que lançou todo o mercado a pensar se não haverá uma correção importante – toda a gente se interrogou se o mercado realmente aguentou da maneira que parece a subida das taxas de juro. No mercado acionista, não estou tão preocupado porque parece-me que vai acelerar a descida das taxas de juro, que, quando descerem, sobem os índices outra vez.

Qual é o principal foco de preocupação?

Acho que é sobretudo uma correção natural. Não é normal as taxas de juro terem subido da forma que subiram e termos tido uma ‘aterragem suave’ como tivemos. Isto, no fundo, é o mercado a pedir taxas de juro mais baixas. Passamos de, em 2015, com taxas de juro perto de zero para, de repente, taxas perto de 5% e continua tudo normal na mesma. A única maneira de isto ser possível seria se a taxa de juro natural tivesse subido de forma dramática. Algumas coisas apontam no sentido de, entre 2019 e agora, a taxa natural ter, de facto, subido – vemos os asiáticos a comprarem cada vez menos dívida ao Ocidente, a questão da demografia… Mas não é fácil sustentar, ainda assim, que a taxa de juro natural mudou tanto. Pode ser a tal correção que a política orçamental, por um lado, e a enorme injeção de liquidez, com os bancos super capitalizados durante a pandemia, esteve a disfarçar. Ou pode ser só um mês mau e o mercado acionista reagiu exageradamente. Para todos os efeitos, foi só um mês com números mais estranhos.

Acredita numa mexida não programada da Fed nos juros?

Duvido. Já tiveram as projeções e isso seria algo quase sem precedentes. E não acho que isto seja o fim do mundo. O mercado antecipa quase com 100% de probabilidade uma descida de 50 pontos base (p.b.) já em setembro. E não estou a ver o BCE a não ir atrás – se calhar não tão depressa, mas isso pode gerar uma valorização do euro e a economia europeia, que já está má, ainda pior fica com uma perda de competitividade.

Há quem já esteja a falar no rebentar da bolha da inteligência artificial, um pouco à semelhança do que se passou nos anos 2000 com a ‘dot com’. Este risco existe?

Se virmos, as principais empresas do high tech perderam perto do dobro do que perdeu, por exemplo, a Euronext. A inteligência artificial e o ChatGPT não são hype – toda a gente já usa, sente-se em todo o lado. É real, não é a bolha das ‘dot com’ dos anos 2000, isto tem um impacto real em todo o lado. Um mau sinal seria se as empresas do ramo estivessem sistematicamente a dar prejuízo e isso não acontece. Por outro lado, em 2000 o mercado era muito fragmentado; hoje em dia, é muito mais concentrado, estas ondas de falências são muito mais complicadas. Não é bom para a inovação nem para a concorrência, mas dá uma estabilidade diferente.

E quais podem ser os efeitos para a dívida portuguesa?

Portugal tem uma coisa boa: agora que está nos A’s [rating da dívida], há muito maior procura de investidores institucionais. Isto pode ajudar a colocar dívida mais barata, até pelo flight to safety. Não sei é se os Certificados de Aforro terão grande dinamismo nos próximos tempos. Estou mais preocupado com o impacto que possa ter alguma surpresa negativa nas receitas do Estado, um condicionamento do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), ou com a projeção do PSD de um excedente no próximo ano, por mais pequeno que seja, nos juros da dívida. Se lermos os relatórios de subidas das agências de notação financeira, é sempre com base em reformas positivas dos Orçamentos, mas alertando que Portugal ainda tem uma situação frágil do ponto de vista do stock. Qualquer sinal de inversão dessa evolução positiva pode justificar uma descida outra vez do rating. A mensagem que vejo é que se tivermos um défice, baixam-nos a notação outra vez. É um jogo político: o OE pode ser sempre superavitário se não se executar o investimento público através das cativações. Mas mesmo querendo fazer isto, por vezes não se consegue porque, quando se faz o OE, tem de haver uma projeção assumindo 100% de execução. O que posso imaginar é um cenário macro um pouco surreal, para justificar receitas acima das que acham que serão atingidas, e depois compensam com cativações.