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Acelerar processos de reestruturação de empresas exige pacto de regime

Sem vontade política, é difícil concretizar as reformas estruturais necessárias para acelerar os processos de reestruturação, para que sejam transformados em oportunidades e não funcionem contra elas, dizem os especialistas.

A Comissão Europeia tem destacado o excesso de carga administrativa como um dos principais entraves ao crescimento das empresas portuguesas, apontando a necessidade de simplificação da regulamentação, melhoria das ferramentas regulatórias e redução dos encargos administrativos. Os estudos mostram que mais de metade das empresas em Portugal considera a complexidade dos procedimentos administrativos um obstáculo significativo, e mais de 83% apontam a regulamentação empresarial como barreira ao investimento, percentagem superior à média da União Europeia.


“Contudo e pese embora esta afirmação, a verdade, em minha opinião, o atual quadro legal, que é em grande medida condicionado por legislação europeia (quer quanto ao Código do CIRE, quer quanto às normas contabilísticas) funciona contra as empresas”, diz ao Jornal Económico (JE) José A. Nogueira, managing partner da RSN Advogados “Uma empresa em reestruturação, diz-nos a experiência, em geral encontra-se endividada com o Estado (impostos) e com o sector financeiro (bancos). Ora estas duas instituições não têm nenhum incentivo para facilitar acordos. Pelo contrário”, acrescenta.


E José A. Nogueira considera que a “legislação fiscal é rígida e com tal carga garantística” que uma empresa em dificuldades, na maior parte das vezes, não tem como corresponder. E a banca tem regras de provisionamento que lhes impede, na maior parte das situações, de aderir aos planos necessários para a recuperação das empresas. “Acresce que uma empresa que recorra a esses mecanismos se vê completamente arredada de programas de investimento, acesso ao financiamento, estigma de mercado, levando que as empresas tentem até ao limite das suas possibilidades ocultar a situação em que se encontrem em não tomem as medidas que se impunham em defesa das suas operações em tempo útil. Quando recorrem a maior parte das vezes já são verdadeiras empresas insolventes”, aponta.


Sobre as reestruturações “judiciais”, Francisco Patrício, sócio da Abreu Advogados, sublinha que as prioridades são sistémicas e teme que “não possam ser melhoradas no curto/médio prazo, sem um pacto de regime sério entre os partidos do arco da governação”.


“Como principais medidas, vejo que se tem de incutir celeridade na Justiça; que há um reduzido número de oficiais de justiça e falta de controlo do seu trabalho e que há um reduzido número de tribunais especializados. Tudo isto leva a atrasos incompatíveis com uma reestruturação que se quer breve e eficaz”, afirma.

Custo do estigma
Em Portugal, a reestruturação de uma empresa é frequentemente associada à insolvência, a um falhanço, o que contribui para a existência de um estigma em torno deste processo.


“Sim, são conceitos interligados, e não poucas vezes confundidos porque uma reestruturação mal-sucedida pode acabar numa insolvência”, diz Francisco Patrício. “Há um enorme estigma sim, muito por conta do que antes referi que era importante mudar e que se resume ao tempo de duração dos processos”, aponta.


Um processo de insolvência acaba, muitas vezes, por ser uma condenação, em que se atira alguém para fora do mercado. “Se um processo de insolvência leva anos a estar encerrado (às vezes uma década!) como pode alguém que esteja envolvido num processo destes (já para não falarmos no incidente de qualificação) não ficar para sempre ligado a ela? É muito difícil recuperar a imagem como empresário quando há um percurso que pode ter esta morosidade”, alerta.


A cultura empresarial portuguesa – como a sociedade, no geral – tende a associar processos de reestruturação a situações de crise irreversível, o que dificulta a adoção proativa de medidas de reorganização antes de situações críticas.


“Em Portugal, a reestruturação empresarial continua frequentemente associada à insolvência (pelas razões acima expostas), o que contribui para um estigma negativo. Este estigma resulta da perceção de que a reestruturação é sinónimo de fracasso empresarial, em vez de ser vista como uma oportunidade de recuperação e adaptação”, acrescenta José A. Nogueira.


“O Programa do Governo prevê algumas medidas como a revisão do regime da insolvência e a adoção das melhores práticas europeias relativamente à facilitação de acordos de reestruturação, mas teremos ainda de ver se, em concreto, essas medidas poderão ou não contribuir para a desmistificação desse estigma”, reforça Amílcar Silva, sócio da Antas da Cunha Ecija, ao JE.


Transformar crise
em oportunidade
Transformar o processo de reestruturação numa oportunidade para construir organizações mais sustentáveis e com potencial de crescimento exige uma abordagem estratégica, integrada e orientada para o futuro.


“São estes mesmos, os propósitos das reestruturações: (re)construir organizações sustentáveis e potenciar o seu crescimento. O que é preciso é tornar eficazes os mecanismos existentes (e que na maior parte dos casos não são)”, defende Patrício.


Aliás, a reestruturação, quando conduzida de forma estratégica e participativa, pode ser uma oportunidade para renovar o modelo de negócio.
O combate à ineficiência administrativa e ao excesso de burocracia devem ser prioridades estratégicas de qualquer Governo, pelo que as medidas tomadas nesse sentido serão seguramente bem recebidas pelo tecido empresarial nacional.


“A crescente aposta na digitalização das interações com os organismos públicos, nomeadamente com as Conservatórias do Registo Comercial, potencia que as empresas cumpram com as suas obrigações para com o Estado de maneira mais eficiente e célere, permitindo que vários destes atos sejam efetuados à distância”, explica Amílcar Silva.


Para este especialista, investir na simplificação e desburocratização de atos societários, nomeadamente no contexto de reestruturação de empresas, contribuirá também para que Portugal se posicione como uma jurisdição mais atrativa para o investimento estrangeiro.


Um processo de reestruturação societária pode e deve ser encarado como o início de um novo ciclo e como uma oportunidade de tornar uma empresa mais eficiente, sustentável e rentável. Uma reestruturação permite repensar o modelo de negócio, podendo a missão e os valores pelo qual uma organização se pauta ser redefinidos, apostando-se na inovação, sustentabilidade e responsabilidade social.


“Uma reestruturação poderá também ser uma oportunidade para reestruturar os quadros de direção, investindo em lideranças com capacidade de planeamento e execução a longo prazo, podendo também ser tidas em consideração as opiniões dos colaboradores que compõem a empresa”, diz Silva.


Para o Sócio da Antas da Cunha Ecija, poderá também aproveitar-se a reestruturação para redesenhar e reorganizar os processos de produção de bens e de prestação de serviços, de maneira a otimizar o consumo de recursos e tornar estes processos mais sustentáveis, por exemplo através da adoção de práticas de ESG. “Acima de tudo, a reestruturação não deve ser encarada apenas como uma resposta a uma crise financeira, mas sim como uma oportunidade de transformação de uma empresa a todos os níveis”, conclui.