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79ª Assembleia da ONU debate o seu próprio papel, pretensamente global

Acusada de enorme ineficácia por causa da possibilidade de veto das suas resoluções por parte dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, muitos países lembram que “o mundo é maior que cinco”. Talvez seja, mas não parece.

As assembleias gerais anuais das Nações Unidas não costumam ser um lugar onde os maiores problemas da humanidade fiquem à porta – mas não é todos os anos que discute as suas próprias dificuldades. O hemisfério norte tem no ativo duas guerras que ameaçam ‘mundializar-se’ – e que a ONU tem gerido com grande dificuldade.

Na Ucrânia, a organização – e mais particularmente o seu líder, o português António Guterres – foi acusada de ter chegado demasiado tarde até junto dos beligerantes, tendo eventualmente perdido a possibilidade de promover um entendimento rápido, antes de uma escalada que ainda não acabou. Quando Guterres finalmente visitou os dois países, já as diplomacias dos mais diversos países estavam a atuar no terreno. E nem o facto de a ONU ter estado por trás da assinatura do acordo que permitiu a exportação de cereais ucranianos via Mar Negro foi suficiente para balançar o mau momento – até porque ficou claro que o acordo ficou a dever-se mais à Turquia que à ONU.

Na Palestina, Guterres foi repetidamente acusado de, sem o assumir, defender a causa palestiniana. Quando poucas semanas depois do início da guerra acusou Israel de ter sido o prevaricador que induziu o ataque do Hamas de 7 de outubro – apesar dos desmentidos de Guterres – a diplomacia israelita exigiu a demissão imediata do secretário-geral.

Num quadro em que a ONU tem um largo histórico de ineficácia – muito por via do travão que constitui a possibilidade de veto dos cinco membros do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido), muitos críticos dizem que a segurança mundial exige que as Nações Unidas passem por um momento de reforma, ou mesmo de refundação (segundo os críticos mais cáusticos). Uma das reformas propostas é precisamente acabar com os vetos dos cinco países – que, na prática, impedem a organização de atuar a tempo e em profundidade em quase todas as situações onde a geopolítica internacional faça parte da equação. E como não se passa quase nada que não tenha a ver com geopolítica, a ONU, dizem alguns, está votada a ser constantemente ultrapassada pelos acontecimentos ou ser não mais que um ‘sleeping partner’ no quadro global.

De fora das críticas estão as diversas organizações emanadas do interior da ONU e que fazem no terreno um trabalho que não existiria se as Nações Unidas acabassem.

Para todos os efeitos, a questão ucraniana voltará a estar presente no longo desfilar de discursos e intervenções das dezenas de chefes de Estado e de governo que costumam viajar para a sede da ONU em Nova Iorque. E a Turquia já fez saber que fará o mesmo com a questão palestiniana. Mas o gabinete Recep Erdogan deixou saber que o presidente turco, que fará o seu 14º discurso numa Assembleia Geral da ONU, juntará às suas quase sempre polémicas palavras um pedido de reforma daquele organismo internacional. Aquele que é considerado o país mais problemático da NATO – que mantém relação amistosas com a Rússia – parece estar interessado em elevar o patamar do debate interno, na tentativa de promover qualquer tipo de reforma que possa fazer regressar a ONU a um nível que lhe permita ter uma palavra a dizer no quadro das relações internacionais.

Erdogan, que participou pela primeira vez da sessão de setembro da assembleia em 2005, defenderá um pedido de reforma nas Nações Unidas. “O mundo é maior que cinco", referindo-se aos membros permanentes do Conselho de Segurança, será um dos seus slogans. "Uma ONU que se renove, que seja mais democrática e transparente, que tenha a capacidade de representar a vontade conjunta de todos os Estados-membros, uma fonte de soluções para conflitos internacionais, vista como a garantia da paz global, respeitada por todos os membros, mais ativa e preventiva, é do interesse comum da humanidade", disse Erdogan anteriormente. Mais propriamente em 15 de setembro de 2005, recorda o gabinete. De então para cá, nada melhorou.

Apresentado pela sua ‘entourage’ como “uma figura amada em países ignorados ou explorados por superpotências, no mundo islâmico, na Ásia, em África e em outros lugares, Erdogan pediu repetidamente que esses países também tenham uma palavra a dizer nos assuntos internacionais. E essa é outra reforma que Erdogan exigirá. A dúvida é se exigirá também que a ONU reconheça e receba no seu seio, como membro de pleno direito, o Estado da Palestina.

As Nações Unidas já abriram formalmente o período de trabalhos da 79ª Assembleia Geral com um discurso do presidente, Philemon Yang, dos Camarões. Segundo a organização, o debate de alto nível contará com a presença de chefes de Estado e de governo dos 193 países-membros da organização, além de representantes globais a partir de terça-feira, 24 de setembro.

Horas depois de assumir a liderança da Assembleia Geral, Philemon Yang disse que a visão do seu mandato será “a pedra angular construída sobre os princípios da unidade na diversidade, promovendo um ambiente onde cada voz não seja apenas ouvida, mas valorizada”. E defendeu a procura de avanços pela paz, garantindo que “os esforços internacionais para a resolução de conflitos sejam proativos e duradouros”. Yang apontou ainda o desenvolvimento sustentável como foco fundamental, “à medida que o mundo se esforça para equilibrar o crescimento económico equitativo com a gestão ambiental” – prometendo que dará primazia ao multilinguismo na ação à frente do principal órgão deliberativo da ONU.

No topo das prioridades para o novo período da Assembleia Geral, refere ainda ONU, está a discussão de “crescimento económico sustentável, explorando estratégias em favor do crescimento, garantindo sustentabilidade e equidade”. Em segundo lugar, a paz e a segurança continuarão “a ser de suma importância, com a procura de estratégias eficazes de manutenção da paz e resolução de conflitos e a determinação para os resolver”, incluindo na Faixa de Gaza, no Haiti e na Ucrânia. Como terceira questão prioritária para esta nova sessão, Philemon Yang disse que a Assembleia Geral continuará a defender a proteção e a promoção dos direitos humanos. O quarto ponto será abrigar discussões sobre o fortalecimento do direito internacional e das estruturas de justiça como “um dos temas-chave das deliberações”, em particular nos domínios do desarmamento, do controlo das drogas e do combate ao terrorismo internacional.

No evento inaugural da 79ª sessão da Assembleia Geral, o secretário-geral António Guterres disse haver alguma coisa que ainda pode ser feito para a realidade de “um mundo em turbulência”. Resta saber o quê – e se a própria ONU terá ou não margem para ser a organização que um dia pretendeu ser.