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Tribunal conclui que não existiam investidores dispostos a salvar o BES e que resolução era inevitável

O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa concluiu que a resolução era a única solução de que o Banco de Portugal dispunha para lidar com a crise no BES.

No acórdão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC) foi dado como provado que o Banco de Portugal (BdP) tinha conhecimento que não existiam entidades dispostas a salvar o Banco Espírito Santo (BES) aquando da resolução do banco, apurou o Jornal Económico junto de fonte próxima do processo.

O tribunal rejeita assim que a tese que tem sido defendida pelo antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, sobre a alegada existência de investidores internacionais interessados em salvar o banco, nas semanas que antecederam a resolução, que teve lugar a 3 de agosto de 2014.

Além disso, o tribunal concluiu que o supervisor não pode ser responsabilizado pela informação que prestou ao mercado a respeito da solidez do BES, até poucos dias antes da resolução: no quinto parágrafo da página 225 do acórdão, aprovado unanimemente pelos 20 juízes do TAC, o tribunal conclui que “toda e qualquer comunicação ou exteriorização por parte do Banco de Portugal, anterior a 28 de julho [de 2014] é certa, correta e verdadeira, face aos dados de que dispunha naquelas datas”.

O acórdão deu como provada a esmagadora maioria dos factos alegados pelo BdP relativos ao contexto em que a medida de resolução foi adotada e à atividade de supervisão exercida sobre o BES.

O TAC julgou improcedente os dois pedidos apresentados pela massa insolvente da Espírito Santo Financial Group e pelos credores subordinados do BES, hedge funds e outros titulares de obrigações subordinadas. Os autores pediram a impugnação da medida de resolução do BES de 2 de agosto de 2014 e a impugnação da deliberação do BdP, do dia 22 de julho de 2014, que determinou a imposição de provisões ao BES no valor de dois mil milhões de euros para acautelar os riscos decorrentes da exposição às entidades do Grupo Espírito Santo.

Sobre a resolução, que o tribunal considerou respeitar a lei ordinária e constitucional, tal como noticiou o “Expresso” no passado fim-de-semana, foi ainda qualificada como necessária “perante as concretas circunstâncias em que o BES se encontrava”.

“Não havia um cenário alternativo [à resolução] que não fosse o de liquidação do BES (...) sendo totalmente hipotético e inverosímil qualquer outro cenário que não aquele”, prosseguiu o órgão judicial, concluindo que o supervisor não disponha de outras alternativas verosímeis. Esta conclusão vai ao encontro do que tem sido afirmado pelo governador Carlos Costa nos últimos anos, no sentido de que não estavam disponíveis outras soluções, nomeadamente a nacionalização ou a recapitalização pública, dado que o Governo da altura não estava disposto a viabilizar essas medidas. Segundo o supervisor, restavam duas soluções: a resolução ou a liquidação, sendo que esta última teria um impacto significativo na economia portuguesa.

O tribunal sustenta, por isso, que a resolução consistiu numa medida de último caso (“um ‘remédio’ muito forte”), mas defendeu que tal “não significa que o cenário alternativo não seja ainda pior (...) através de um processo de liquidação imediato e desordenado”.

Sobre a fundamentação que o BdP apresentou nos 19 ‘Considerandos’ que constaram da deliberação de resolução do BES, o TAC julgou que o supervisor “fundamentou suficientemente”, contrariando assim os argumentos apresentados pelos autores da ação que alegaram falta de fundamentação daquela deliberação.

Entre os vários argumentos para a fundamentação do pedidos de impugnação da deliberação de resolução, incluíam-se, entre outros, a violação da reserva da competência legislativa da Assembleia da República (inconstitucionalidade orgânica) e a violação dos princípios da igualdade, da justa indemnização e do direito da propriedade privada (inconstitucionalidades materiais).

Também foram invocadas ilegalidades da medida de resolução, como a violação do princípio da boa-fé e da proteção da confiança, por frustração das expectativas dos lesados, ou do princípio da imparcialidade, porque alegavam que o BdP, enquanto supervisor e autoridade de resolução, em simultâneo, poderia ter conflitos de interesses ao decidir resolver o BES.

O acórdão rejeitou a totalidade dos fundamentos dos autores e julgou totalmente improcedente a ação.

Acórdão único no panorama judicial português

A mesma fonte explicou ainda que não se lembra de um acórdão parecido no contexto judicial português. Isto porque a decisão do TAC assumiu a forma de um “acórdão-piloto” no contexto da concentração de processos decidida pelo Presidente do Tribunal ao abrigo do mecanismo previsto no artigo 48º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos que estabelece a figura da seleção de processos com andamento prioritário.

Assim, esta sentença aproveita a mais 22 processos pendentes “que digam respeito à mesma relação jurídica material” e que visam também a impugnação da resolução do BES.

Por outras palavras, o acórdão aproveita um total de 24 processos.

Além disso, o acórdão poderá ter ainda um efeito spill-over mais vasto, aproveitando ações que correm noutros tribunais administrativos – há processos a correr nos tribunais administrativos de Braga, Porto e Viseu – mas também a outros processos que ponham em causa a responsabilidade do BdP e processos de impugnação da Deliberação de Retransmissão e Contigências.

Ainda assim, este acórdão é passível de recurso e o Jornal Económico sabe que o BdP espera 24 recursos, que deverão ser apresentados por altura das férias da Páscoa. O prazo de recurso é de 15 dias seguidos a contar da data das notificações do acórdão às partes vencidas.

Desta forma, qualquer uma destas partes, assim como terceiros que se considerem direta e efetivamente prejudicados pelo acórdão poderão recorrer para a segunda instância (Tribunal Administrativo Central) se impugnarem apenas questões de facto. Mas se contestarem matérias de direito, poderão logo recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, cuja sentença é passível de recurso para o Tribunal Constitucional.

Apesar da quezília jurídica ainda não estar completamente definida, os fundamentos dos pedidos dos autores baseados nas inconstitucionalidades e ilegalidades já estão delimitados, além de que em recurso, as partes não podem apresentar nova matéria de facto.