A pandemia de Covid-19, que há cerca de dois anos se espalha pelo planeta, veio agravar o problema ambiental que já preocupava a Humanidade, não só em resultado do acelerado aquecimento climático, da acentuada queda dos indicadores de biodiversidade, da preocupante subida das águas do mar, do aumento do número de inundações e da intensidade das erupções vulcânicas – para já não falar dos efeitos da rápida digitalização da economia e do potencial desemprego emergente numa sociedade que se encontra em profunda transformação.
1. Antes da pandemia, a União Europeia já vinha sentindo alguns destes efeitos, quer no ritmo esperado para uma maior harmonização no processo de unificação política, quer quanto ao processo de alargamento e maior integração económica e social – como ficou bem claro com a recente saída do Reino Unido da União Europeia, e o aparecimento em alguns países de democracias frágeis ou em fragilização, como atualmente se observa na Polónia e na Hungria – quer ainda quanto às evidentes dificuldades da União em garantir um maior e mais sustentável equilíbrio entre alguns dos seus países membros, como é o caso da Grécia e também de Portugal, que nos últimos vinte anos teve um muito baixo nível de desenvolvimento económico. Portugal, tendo divergido em termos de média europeia, será provavelmente um dos países que, pela sua pequena dimensão e posição periférica, no futuro mais próximo poderá vir a sofrer face às preocupantes tendências globais que se perspetivam no século XXI.
Sendo este o quadro provável que vamos ter de enfrentar por alguns anos – quer na Europa, quer no nosso país – seria bom aprofundar duas questões que, a meu ver, poderão ser determinantes para, por um lado, melhor enfrentar a tendência para o aparecimento de alguns regimes autoritários na Europa e, por outro, que condições de base mínimas deverão existir para que países como Portugal possam fortalecer a sua saudável democracia e, ao mesmo tempo, contribuir para uma significativa melhoria da sua insuficiente sustentabilidade económica e social.
2. Quanto ao primeiro ponto – como suster apetites autoritários – há algo da minha vida pessoal que acho útil recordar. Na década de 60 do século passado, então ainda um jovem estudante de economia, tive a oportunidade de trabalhar durante algum tempo numa empresa em Tromso, no Norte da Noruega, e, por esta razão, conhecer com alguma profundidade os diferentes países nórdicos que, já na altura, eram uma referência mundial em termos da difícil combinação de um desenvolvimento sustentável com uma invejada e sã democracia.
Recordo hoje que a primeira coisa que compreendi ao chegar à Escandinávia foi que a importância da correlação e equilíbrio entre uma saudável democracia e um ritmo elevado de desenvolvimento era a chave para o bom ambiente, a tolerância e o desenvolvimento existente, imagem de marca da Escandinávia, como uma zona da Europa em que todos gostaríamos de viver e de imitar.
Por outro lado, países onde existam frustrações quanto ao crescimento económico, relevantes desigualdades sociais e elevados níveis de desemprego há uma maior dificuldade em negociar essenciais equilíbrios políticos entre os partidos, situação que pode debilitar a democracia e mesmo originar movimentos populistas, movimentos que usualmente propagam o autoritarismo político como um modelo de governo mais eficaz, fragilizando desta forma o modelo democrático.
Esta é uma questão central, até porque, por vezes, esse populismo é intencionalmente acompanhado de uma tendência para confundir “crescimento com desenvolvimento”, confusão não ingénua, como não ingénua pode ser a avaliação do desenvolvimento de um país apenas pelo crescimento do seu Produto Interno Bruto (PIB).
Qualquer economista sabe que o crescimento do PIB não revela, por si, o nível desenvolvimento de um país. Apenas a qualidade de um conjunto de outros indicadores de natureza económica e social pode avaliar a sustentabilidade do seu desenvolvimento, especialmente no que se refere aos níveis ou graus de desigualdade entre os seus cidadãos. O PIB pode crescer, mas pode não contemplar necessariamente políticas que visam a redução das desigualdades sociais, questão chave para um desenvolvimento mais sustentável.
Se aceitarmos que a União Europeia está agora a sofrer maiores dificuldades na redução das desigualdades entre as economias dos Estados-membros por causa da crise pandémica, então é bom que se diga que a Europa terá de criar condições para garantir uma nuclear correlação e equilíbrio entre uma sã e eficiente democracia com um desenvolvimento económico e social mais sustentado, evitando perigosos extremismos políticos e expectativas populistas pouco suportadas e recomendadas
3. E Portugal: como sair da crise? Sendo Portugal um país pequeno e periférico europeu, que hoje herda cerca de vinte anos de muito baixo crescimento do PIB – embora com importantes avanços em termos de redução das desigualdades e relevantes políticas sociais – sofrerá obviamente bastante com a crise pandémica, situação que, de resto, é já bastante evidente.
São de saudar os importantes apoios que a União Europeia decidiu com a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que estará em execução nos próximos anos. Mas numa crise da dimensão da que enfrentamos não basta que uma eficiente implementação do PRR e outras medidas económicas de incentivo ao investimento público e privado sejam bem-sucedidas. Será ainda necessário que existam condições políticas, económicas e sociais que garantam a médio e longo prazo uma convergência entre a democraticidade do sistema e as políticas de desenvolvimento económico e social, a tal correlação imprescindível ao equilíbrio entre a democracia e a sustentabilidade já referida.
É necessário que existam nos próximos anos governos estáveis com políticas a médio ou longo prazo, o mesmo é dizer, governos liderados por partidos que tenham obtido por si mesmos maiorias parlamentares ou, na sua ausência, formem coligações partidárias suficientemente estáveis que permitam implementar políticas económicas e sociais eficientes em democracia plena, e que sejam consistentes e sintonizadas com o projeto europeu. Na sua ausência, e em situação de crise, será muito difícil a obtenção dos imprescindíveis equilíbrios políticos.
4. A questão que se está agora a viver no país para a aprovação do Orçamento para 2022 é um bom exemplo do acima referido. Os partidos dos extremos, quer de esquerda quer de direita, procuraram a todo o momento reivindicar para o seu eleitorado o máximo de direitos ou regalias, estando por isso pouco disponíveis para apoiar e votar as propostas dos partidos que governam, neste caso o PS. A disponibilidade para o efeito requeria um amadurecimento da democracia que, quando não existe, pode conduzir a quedas do Governo e ou à instalação de crises penosas e por vezes prolongadas. Foi o que aconteceu agora em Portugal.
É bom recordar que os desafios que nos esperam devem obrigar-nos a, quanto antes, nos integrarmos no grupo de países que mais rapidamente “compreendam” o que fazer para adaptar a nossa sociedade e o nosso modelo de governação às exigências impostas pelas novas condições do planeta. A crise será longa e, para a ultrapassar, vai ser preciso ambição, boa liderança, investimento estruturante e uma forte concentração do país nas questões essenciais ao progresso e à melhoria das condições económicas e sociais dos mais desfavorecidos.
Portugal tem de ter cada vez mais políticas sustentáveis numa Europa que se quer cada vez mais democrática e globalmente competitiva.
5. A derrota na Assembleia da República do Orçamento para 2022 vai conduzir a eleições antecipadas, num quadro de elevada incerteza quanto à formação de uma maioria estável que assegure as condições necessárias para ultrapassar a crise económica em que o país se encontra.
Tendo em consideração a informação à data disponível, pode prever-se que serão duas as alternativas que das eleições resultarão um partido com vocação de governo – PS ou PSD – assegura uma maioria eleitoral absoluta ou, em alternativa, é possível negociar uma maioria parlamentar de um destes partidos com partidos à sua esquerda ou à sua direita. Sendo pouco provável a formação de um governo de bloco central – PS e PSD – como afirmado pelo líder do PS e tendo em conta a recente experiência de coligação à esquerda, bem como a fragilidade em que os dois partidos da coligação (PCP e BE) ficaram, ou que se encontram (CDS), torna-se difícil o aparecimento de uma coligação sólida para o médio e longo prazo, quer à esquerda, quer à direita.
Neste quadro, e tendo em conta o grau de maturidade da nossa democracia, como economista preocupado com as condições de longevidade e sustentabilidade da nossa governação, considero que o aparecimento de um partido de vocação governamental – PS ou PSD – com maioria absoluta seria a situação que melhor conduziria a uma política de equilíbrio a médio e longo prazo entre o desenvolvimento económico e as importantes exigências na área social. E sendo certo que só lá para meados de 2022 teremos um novo orçamento aprovado, será recomendável que o atual Governo se mantenha em funções, com os poderes que a lei lhe confere, evitando atrasos ou desvios na implementação do PRR, peça chave para que na próxima meia dúzia de anos se reestruture e dê sustentabilidade real à nossa economia.