E há muito para refletir numa abordagem em que os partidos políticos estão focados e às vezes sufocados pelos seus combates a prazo e pela gestão das expectativas imediatas da população.
O caso mais flagrante é o dos Estados Unidos da América (EUA), um país que já é o mais poderoso e o mais rico do Mundo, e que quer ainda mais poder e ainda maior riqueza. Esta pulsão egocêntrica resultante da reação aos excessos do wokismo só pode acontecer a prejuízo do resto do mundo, visto o fraquíssimo crescimento da riqueza mundial que medimos pela evolução do PIB. Trata-se na prática de um jogo de soma quase nula. Este egoísmo assumido tem duas consequências visíveis: os EUA já não lideram o Mundo pelos valores e este comportamento leva o resto do planeta a aliar-se contra o Ocidente – vejam a dinâmica dos BRICS. Mais simplesmente, levam o resto do mundo a alinhar-se naturalmente com a China, que acelera assim a sua viagem para a sua futura dominação deste planeta.
Curiosamente, a política americana atual tem como consequência o exato oposto do objetivo estratégico maior dos EUA, que é de impedir que a China venha um dia a ser o número 1. É estranho que a administração americana não pondere este facto à vista de todos, tão fechados que estão na retórica de serem abusados comercialmente pelo resto do mundo e na sua incapacidade de melhorar as condições de vida dentro da sua própria sociedade, em termos de coesão e de produtividade.
Na realidade, a questão do desequilíbrio comercial tem mais a ver com a fraca produtividade e pior qualidade da indústria de fabricação de bens físicos neste País. Portanto, Portugal já não pode contar com este parceiro que demonstra não ser confiável e que se tornou numa entidade, apesar de poderosa, meramente transacional. De uma certa maneira, trata-se de um ponto positivo, pois obriga-nos a pensar por nós mesmos no que pode ser o nosso futuro sem este aliado, cujo papel na NATO tem sido de desenvolver as exportações de armamento americano para a Europa.
Um outro fator fundamental para nós é a volatilidade política de um estado cuja sociedade demonstra uma forte polarização que pode Ievar – se a democracia sobreviver a tudo isto – a mudanças de rumo brutais que desestabilizam aqueles que constroem estratégias a longo prazo baseadas na previsibilidade e estabilidade deste parceiro. Põe-se, portanto, a questão estratégica para Portugal de limitar o impacto de uma mudança eventual de rumo dos EUA ou de um aumento do seu egoísmo nas relações internacionais, sem falar dos efeitos colaterais das suas ações com terceiros como a China, a Índia ou a América Latina. Está claro que a limitação a um nível razoável da nossa dependência faz parte da equação.
Falando de dependência, a nossa, em relação à União Europeia, está à vista de todos, começando pelas relações comerciais e geopolíticas. Se amanhã formos arrastados para uma guerra a Leste, é óbvio que não será por vontade própria, mas numa dinâmica do tipo daquela em que estivemos envolvidos durante a Primeira Guerra Mundial, num período de forte instabilidade política no nosso País. Desde que integramos este bloco, há 40 anos, muita coisa boa aconteceu para o nosso país, que mostrou ser um bom aluno, trabalhador, disciplinado e sempre alinhado.
Quando se diz que a regra da unanimidade penaliza a capacidade de decisão da Europa, não será por culpa de Portugal. Para simplificar, fomos a reboque da Europa e foi uma boa decisão, com consequências positivas para o País. O que está agora à vista de todos é o atraso da visão política em relação à dimensão económica e monetária, em que a ausência de destino político comum para a União Europeia está a penalizar gravemente o bloco e, sobretudo, a alimentar as rivalidades internas, nomeadamente, entre a França, a Alemanha e a Itália. Podemos dizer com calma e respeito que a guerra existente nos bastidores entre estes três países desqualifica esses estados para serem o farol da União Europeia. Também é visível através de vários exemplos concretos a existência em Bruxelas de dois pesos e duas medidas no tratamento do não respeito das regras comunitárias, sem esquecer o fraco desempenho da trilogia Conselho-Comissão-Parlamento na tomada de decisões estruturantes como, por exemplo, a descarbonização dos transportes.
Esta situação cria um vácuo de liderança política propício à expressão de particularismos nacionalistas, como os da Hungria. Existe, portanto, uma urgência em definir o destino da Europa em termos de modo de governação mais integrado para criar mais riqueza e bem-estar para as nossas populações. Caso isto não venha a acontecer, a questão que se põe é de saber que visão construímos para o Portugal 2050, face a um risco de afundamento ou de desintegração da União Europeia.
No cenário em que esta União Europeia permanece, mas numa trajetória declinante, como é que damos ao nosso País um destino ambicioso e ascendente que mobilize a nossa sociedade? Não podemos esquecer que, 40 anos depois de termos integrado a União Europeia, o nosso PIB / habitante continua significativamente abaixo da média europeia. Para sairmos desta situação uma mudança de paradigma é necessária dentro do nosso País, e não tenho aqui a ousadia de falar do século XV pois vários amigos jornalistas já me avisaram que este tema passou de moda.
Enquanto tudo isto acontece, a Ásia vai trabalhando mais e melhor, certo, em sociedades que podem não ser modelos de democracia, mas com verdadeiras vitórias no combate contra a pobreza. Na Europa, em poucos anos, passámos de uma promessa de Green Deal a uma estratégia de rearmamento guerreiro e, agora, prometem-nos acabar com a pobreza em 2050. Tudo isto tem pouca credibilidade, dado o conservadorismo das sociedades que construímos, assentes em inúmeras regras imobilizantes e dogmatismos assumidos. Está claro que, para que isso aconteça, Portugal terá de contar apenas com o seu pragmatismo, pois a volatilidade das estratégias de Bruxelas só podem conduzir ao imobilismo numa região que já não protege o valor trabalho e o foco na criação de riqueza.
Quantas sociedades temos na Europa concentradas em fugir às suas responsabilidades de rigor de gestão utilizando a classe com poder económico como bode expiatório, em vez de trabalhar mais e melhor para reduzir o número de pobres? Até que ponto é que a demagogia europeia terá que ir para se compreender que a repartição da riqueza deve ser corrigida num contexto de aumento da criação dessa mesma riqueza? Temo que a saída da situação atual da Europa passe ou pela miséria ou pela guerra civil.
Nada de apetecível para Portugal, que tem de trabalhar mais, trabalhando melhor, em contraste com o resto da Europa. Enquanto isto, a China dá-nos agora lições no que diz respeito à aplicação das regras do comércio internacional, como se tivessem sido os fundadores da Organização Mundial do Comércio, e adota atitudes políticas maduras e sábias para criar contraste com as reações emocionais e populistas do Ocidente.
O mundo ocidental tem de pôr termo ao seu declínio aceitando a ideia de que a preguiça como modo de vida e a burocracia cancerosa não constituem um futuro apetecível e, sobretudo, competitivo num mundo de PIB estagnante. A COP21 sobre o Clima, em Paris, foi um bom exemplo de declínio em que o mundo ocidental, ao ficar rico destruindo o planeta, tentou exigir do Sul Global que travasse o seu próprio desenvolvimento para não agravar a situação do planeta. Para além da comunicação manipulada de que fomos vítimas, foi um estrondoso desastre, como está à vista hoje, com o tópico do aquecimento global já pouco discutido na arena política.
O egoísmo da riqueza ganhou claramente este combate e ninguém está interessado nas lições da Europa, incapaz de se impor a si própria as transformações necessárias. Neste novo mundo de egoísmos, de músculo e de fraturas, que futuro para Portugal? Antes de mais, uma afirmação do nosso ADN de navegadores, de descobridores, de seres resilientes, capazes de se adaptar às incógnitas e, sobretudo, de um povo pacífico capaz de lidar positivamente com culturas muito diferentes.
A palavra-chave é “diversificação” a todos os níveis para reduzir dependências geopolíticas e comerciais. Um mundo em que se deve ter a coragem de dizer aos portugueses que têm de trabalhar mais, trabalhando melhor, utilizando menos recursos raros em atividades burocráticas sem criação de valor.
Uma sociedade em que a fuga às responsabilidades individuais não pode ser um modo de vida apetecível. Um povo consciente de que vive num “Jardim à beira mar plantado” que se deve tratar todos os dias, que tem as costas voltadas para o continente e o busto virado para o oceano, encarando as incógnitas e o risco como fazendo parte do interesse da vida. Curiosamente, um mundo fragmentado e incapaz de dialogar pacificamente abre uma janela de oportunidade para Portugal, visto o seu tamanho não ser assim tanto um handicap e visto o ADN de ousadia que herdámos dos nossos líderes do século XV.
Espero que estas humildes reflexões nos possam ajudar a construir coletivamente um Portugal 2050 que alavanque as nossas forças num mundo ocidental em recomposição. Trata-se de uma verdadeira oportunidade para o nosso País, mas resta saber se seremos coletivamente capazes de construir essa visão e esse alinhamento interno, evitando a contaminação de um Ocidente tecnocrático, unicamente focado na proteção da sua riqueza e rejeitando a óbvia necessidade de competir.
O atraso político da União Europeia
Não há dúvida que uma nova ordem mundial está a instalar-se perante nós, pelo que Portugal e os seus líderes têm a responsabilidade de refletir no que poderia ser, neste contexto, o Portugal 2050 que queremos para os nossos descendentes.
