O 24.º Governo Constitucional, liderado por Luís Montenegro e formado por uma aliança entre PSD e CDS, toma posse esta terça-feira, tendo logo no primeiro mês de vida dois testes de fogo a enfrentar: o debate do seu programa na Assembleia da República (AR) e a elaboração do Programa de Estabilidade
São 17 os ministros, acompanhados pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, a quem o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, dará posse no Palácio da Ajuda, depois de três semanas de agitação política, com a AD a vencer as eleições legislativas de 10 de março com uma maioria relativa, que a colocou numa situação de fragilidade e instabilidade política para os meses que se seguem. Na próxima sexta-feira, dia 5 de abril, tomarão posse os secretários-de-Estado e, assim que o programa de governo passar pelo Parlamento, o novo Executivo de centro-direita pode começar a executá-lo.
O “não é não” de Montenegro ao Chega e a promessa de Pedro Nuno Santos logo na noite eleitoral de que não será o PS a “suportar” o Governo colocaram a AD numa situação difícil, em que terá de estar em permanente diálogo com a oposição para conseguir a aprovação dos diplomas que sejam levados ao Parlamento.
Por isso, para já, dado que Montenegro tem pouco tempo para fazer prova de vida até às eleições Europeias de 9 de junho, as principais prioridades do governo – como pensões, professores ou o Plano de Emergência para a Saúde – podem ser aprovadas por decreto, em Conselho de Ministros. E a intenção imediata de Luís Montenegro é mesmo essa, evitando, assim, sempre que puder, a necessidade de precisar dos votos dos deputados para avançar com as primeiras medidas.
Mas, logo uma semana depois de tomar posse, o Governo de Montenegro – formado, sobretudo, pelo núcleo-duro do líder do PSD, personalidades com experiência política e alguns independentes – vai enfrentar a primeira e inevitável prova parlamentar quando levar o seu programa a debate na AR, nos dias 10 e 11 de abril. A discussão promete ser tensa e acesa, mas não será ainda desta que o Executivo cairá, dado que o PS deixou logo claro que votaria contra a moção de rejeição que o PCP anunciou ainda antes de se conhecerem os resultados dos votos da emigração.
Apenas o PAN deixou porta aberta para votar a favor da moção dos comunistas (pode ser seguido pelo Livre e BE), mas os socialistas vão voltar a dar a mão à AD (fizeram-no já na eleição do presidente do Parlamento, que o Chega tentou boicotar) e votar contra. Mas Pedro Nuno Santos não abdicará do primeiro palco público para começar a fazer combate político ao Executivo de Luís Montenegro. Nem Pedro Nuno Santos, nem André Ventura, os dois líderes que prometem disputar a função de principal rosto da oposição e que não darão (muitas) tréguas a Montenegro, a julgar pelas posições públicas que têm assumido. Embora tanto um, como o outro tenham garantido que reprovariam a rejeição dos comunistas. E o PS já tenha dito que pretende fazer uma oposição “responsável”.
O programa do Governo AD será em quase tudo semelhante ao que a AD apresentou durante a campanha eleitoral, com foco na redução de impostos ao nível do IRS e IRC, apoios aos pensionistas e jovens, aplicação de um plano de emergência para o SNS, valorização das escolas e docentes e mexidas no mercado da habitação.
Apesar de concordar com algumas das medidas propostas pela coligação PSD/CDS, Pedro Nuno Santos tem orientações diferentes para o país, colocando mais o foco numa revolução laboral que fiscal. Já a Iniciativa Liberal reconheceu desde o início que “existem pontos de convergências” entre o programa da AD e o dos liberais, razão pela qual chegou a ponderar um acordo de governo, que acabou por ficar pelo caminho, embora o líder da IL, Rui Rocha, se mantenha aberto a “entendimentos” com Montenegro em matérias sectoriais e até para o orçamento. Já o PS mantém abertura para negociar diplomas pontuais ou sectoriais, mas diz ser “difícil” aprovar orçamentos da AD. E o Chega mantém a pressão e a ameaça de boicotar a governação de Montenegro.
A relação com a Chega tem sido uma das mais difíceis desde que ganhou as eleições a 10 de março. O Chega subiu para 50 deputados e, perante a maioria relativa da AD, o líder, André Ventura, veio de imediato exigir que Montenegro fizesse consigo um “acordo de governo” como condição para que aprovasse o orçamento do Estado para 2025 (o grande teste de fogo deste novo Executivo). Mas o líder do PSD voltou a responder “não é não” a Ventura. Montenegro deixou claro que a AD dialogará com todos os partidos com assento parlamentar, incluindo o Chega, mas recusou falar com André Ventura sobre acordos de natureza parlamentar ou sobre a composição do executivo (André Ventura exigia ter uma palavra a dizer sobre futuros ministros e políticas da coligação). Acabou por não a ter e tem insistido na ideia de que o PSD “está a humilhar” o Chega e os mais de um milhão de portugueses que votaram no partido.
Embora o Chega prometa não fazer vida fácil ao 24.º Governo, André Ventura colocou sempre a meta no orçamento do Estado para 2025, que ameaça chumbar, se não houver conversas com o partido, pelo que votará contra a moção de rejeição ao programa de governo, que vai a votos logo após o debate dia 11. Os programas de governo em si não são sujeitos a votação, apenas são as moções de rejeição ou de confiança que forem apresentadas. E os comunistas avançam com uma de rejeição. Paulo Raimundo foi muito criticado pela oposição à direita por ter anunciado a referida moção, mas o secretário-geral do PCP reafirmou que o partido usará “todos os instrumentos” para se opor ao Governo AD “desde a primeira hora”.
Medina já deixa Programa de Estabilidade preparado
O até agora ministro das Finanças, Fernando Medina, vai deixar ao seu sucessor, Joaquim Miranda Sarmento, um esboço do Programa de Estabilidade para que o novo Governo “possa integrar as políticas que entenda” e entregue o diploma a Bruxelas.
“Estamos a preparar e a desenvolver todos os trabalhos relativamente ao Programa de Estabilidade. A nossa expectativa é que haja um Governo formado antes da data formal da entrega e, por isso, transmitiremos ao próximo Governo tudo aquilo que estiver preparado”, declarou Fernando Medina há cerca de um mês à entrada para a reunião do Eurogrupo. O ainda governante sublinhou que “o que é importante assegurar” é a “continuidade das políticas de estabilidade ao nível das finanças políticas e a continuidade da redução da dívida pública”.
Apesar da instabilidade política que o Executivo pode enfrentar nos próximos meses e que saiu das eleições de março, Medina disse ainda que não existem “razões para receios” da parte das agências de notação financeira sobre a estabilidade financeira de Portugal, mostrando-se convicto de que o Governo AD manterá o “compromisso” de finanças estáveis.
O Programa de Estabilidade insere-se no âmbito das obrigações do Estado português no seio da União Europeia e constitui o início do processo orçamental, denominado também de semestre europeu. Face ao que foi previsto pelo Governo de António Costa, Luís Montenegro e o seu novo ministro das Finanças poderão rever algumas metas, nomeadamente ao nível do défice ou do crescimento.
No programa para 2023/2027, o Governo de Costa previa um défice de 0,4% para 2023, acabando por fechar o ano com um excedente histórico de 1,2%. Ao nível do PIB previa um crescimento de 1,8% e acabou o ano com 2,3%. Já para este, Medina previa um excedente de 0,2% e um crescimento económico de 2,0%.
No seu programa eleitoral, a AD previa no cenário macroeconómico um avanço de 1,6% do PIB, taxa que acelera significativamente nos anos seguintes: 2,5% em 2025, 2,7% em 2026 e 3,0% em 2027, até chegar a 3,4% em 2028, fim da legislatura, todas acima das previsões do PS.
Quanto ao excedente orçamental, a AD prevê para 2024 um saldo global de 0,8%, enquanto o PS se fica pelos 0,4%.
Durante a campanha, o PS criticou a AD de apresentar um cenário macroeconómico muito “otimista”, mas Montenegro respondeu que se baseava nas previsões do Conselho das Finanças Públicas e que acreditava ser possível o crescimento económico previsto no seu programa, tendo em conta as reformas estruturais e mudanças que ia implementar no país. Resta saber se terá margem para conseguir negociar as mesmas com a oposição.