“Os juros soberanos de longo prazo voltaram a níveis não vistos desde a crise de 2011, refletindo receios com a sustentabilidade das contas públicas na Europa. A instabilidade política em França foi o catalisador imediato, mas o movimento rapidamente alastrou a outros mercados, incluindo o Reino Unido, onde a yield a 30 anos atingiu 5,74%, o valor mais alto desde 1998”, segundo Henrique Valente, analista da ActivTrades.
Os analistas do BPI, por sua vez, salientam que "desde meados de 2024 a dívida soberana francesa perdeu o seu estatuto de proximidade da alemã Bund, tido como referência na UEM, sofrendo o prémio de risco acentuada penalização, que se intensificou recentemente".
Este é o contexto em que o Jornal Económico perguntou à APFIPP - Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, qual a exposição dos fundos de investimento portugueses, às dívidas soberanas de França e do Reino Unido.
Com base nas carteiras de Junho de 2025, os 41 fundos de investimentos analisados tinham 325,9 milhões de euros em dívida soberana francesa e 17,2 milhões de euros de dívida do Reino Unido.
O fundo Santander MultiCrédito lidera em exposição à dívida francesa, ao somar 65,8 milhões de euros. O segundo mais exposto também é gerido pela Santander Asset Managment é o Santander Obrigações Curto Prazo, e o investimento direto em dívida francesa ascende a 46,6 milhões. Segue-se, em terceiro lugar, o Caixa Obrigações 2025, da Caixa Gestão de Ativos, com uma exposição direta a dívida do Estado francês de 44,7 milhões de euros.
O IMGA Money Market tem uma exposição de 39,8 milhões; o GNB Capital tem investido em dívida francesa 32,2 milhões de euros; o Montepio Tesouraria também se destaca com uma exposição de 24,9 milhões. Depois o fundo Caixa Seleção Global Moderado tem investido 22,7 milhões em dívida francesa e o Caixa Seleção Global Defensivo tem uma exposição de 15,1 milhões. Nos outros fundos, ou não há exposição ou é residual.
Olhando agora para a dívida do Reino Unido, apenas três dos 41 fundos têm exposição direta à dívida inglesa. O maior é o GNB Obrigações Europa com 8,8 milhões de euros; depois o BPI Obrigações Mundiais tem uma exposição de 6,1 milhões de euros e o GNB PPR/OICVM tem 2,3 milhões de euros de dívida do Reino Unido.
A APFIPP ressalva que é investimento direto, e não abrange outras formas de exposição, como seja através de outros OIC e através de derivados.
O risco de bail-out na França e Reino Unido, surgiu nas notícias nas últimas semanas, mas os especialistas rejeitam que esse seja um risco real. A DBRS rejeita que haja riscos para a classificação de crédito dos dois países, mas reconhece os desafios de crédito decorrentes da fragilidade das finanças do sector público, incluindo um défice orçamental persistente e uma dívida pública elevada.
No Reino Unido (que tem rating AA/Estável), a classificação de crédito do Reino Unido é sustentada pela sua economia “ampla, diversificada e rica, indicadores de governação muito fortes, flexibilidade financeira e política monetária robusta e fiável”, diz a DBRS.
O ritmo da consolidação orçamental do Reino Unido está a abrandar, e a estreita margem orçamental aumenta o risco de novas derrapagens na ausência de ajustamentos da política monetária, especialmente devido às crescentes pressões sobre as despesas, como a defesa", destaca a DBRS.
No entanto, e apesar das pressões fiscais, "o perfil de crédito do Reino Unido continua forte, apoiado pelos seus mercados de capitais profundos e líquidos e pelo estatuto de moeda de reserva da libra esterlina, que proporciona um grau de flexibilidade financeira muito significativo".
"Neste contexto, embora seja possível um aumento dos rendimentos a longo prazo, é pouco provável que este tenha um impacto significativo na nossa classificação. Continuamos a monitorizar e a avaliar os desafios de crédito do Reino Unido e refletiremos quaisquer desenvolvimentos relevantes na nossa próxima revisão", diz a DBRS.
A agência de rating diz que em França (que tem um rating AA (high)/Negative), a mudança de tendência de Estável para Negativa em 21 de março de 2025 "refletiu a visão da Morningstar DBRS de maiores riscos de execução em relação à capacidade da França de reduzir o seu elevado défice fiscal e o seu elevado rácio de dívida pública nos próximos anos, principalmente relacionados com o aumento dos custos dos juros da dívida".
"As medidas estruturais de consolidação orçamental necessárias nos próximos anos para atingir as metas orçamentais de França são significativas. A maior fragmentação política na Assembleia Nacional desde as eleições legislativas antecipadas de Julho de 2024 poderá dificultar ações governamentais orçamentais decisivas nos próximos anos", salienta a agência de notação financeira.
A DBRS diz que as notações de crédito da França continuam a ser sustentadas "pela economia rica e diversificada do país, por instituições públicas sólidas e por uma forte gestão da dívida".
"A França é um membro central da zona euro e os riscos para a estabilidade financeira estão contidos", alerta a DBRS.
"Tal como no Reino Unido, não prevemos qualquer impacto material na classificação devido à volatilidade das taxas de juro de longo prazo", conclui a DBRS.
Por sua vez, João Moreira Rato, economista, e ex-presidente do IGCP, defende que França e Reino Unido têm instrumentos para evitar um resgate, mas reconhece que ambas as economias têm problemas estruturais.
“Não me parece que os dois países estejam à beira de ter de pedir ajuda exterior, já que têm instrumentos para lidar com a situação no curto prazo”, considera João Moreira Rato. Mas deixa alertas: os dois países “têm problemas graves de fundo que vão ter consequências económicas negativas em ambos e a prazo não estão a seguir caminhos sustentáveis em termos de finanças públicas”.