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Estará mesmo Tomás Correia de saída da Associação Mutualista?

Os critérios de idoneidade previstos no novo Código das Mutualistas não são os critérios de idoneidade do BCE/Banco de Portugal. No código das mutualistas a condenação em processo de contra-ordenação não figura nos motivos para retirar a idoneidade. A lei fala em "crime doloso contra o património, insolvência dolosa ou negligente, apropriação ilegítima de bens do setor público ou não lucrativo, gestão danosa, corrupção, branqueamento de capitais", entre outros crimes e o processo do Banco de Portugal não é um processo crime.

Tomás Correia não tem intenção de renunciar ao cargo para que foi eleito no fim do ano passado, sabe o Jornal Económico. Pelo que as notícias da provável saída de Tomás Correia da presidência da Associação Mutualista Montepio Geral, correm o risco de acabarem por ser "manifestamente exageradas", por analogia à célebre frase de Mark Twain sobre as notícias que o davam como morto antes de o ser.

No entanto, há um Conselho Geral e de Supervisão na próxima terça-feira e, segundo o Observador, o tema da renúncia de Tomás Correia vai ser discutido, sobretudo porque os candidatos derrotados querem eleições novamente e irão tentar tudo para esse desfecho.

António Tomás Correia está, entretanto, a preparar o seu recurso ao processo de contra-ordenação que lhe foi movido pelo Banco de Portugal e não vê que a idoneidade recentemente concedida pelo Ministério do Trabalho da Solidariedade e da Segurança Social esteja em causa com a condenação do supervisor bancário.

Contra si joga o facto de o Ministério do Trabalho e da Segurança Social (MTSS) ir clarificar o Código das Associação Mutualistas para passar a conferir expressamente o poder de avaliar a idoneidade dos gestores ao regulador dos seguros, segundo anunciou o primeiro-ministro António Costa. O Governo avança assim com uma "norma interpretativa" sobre avaliação da idoneidade dos gestores da Mutualista pela ASF - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Isto ocorre depois de  Marcelo Rebelo de Sousa ter chamado ao Palácio de Belém o presidente da ASF, José Almaça, para perceber o impasse na avaliação da idoneidade do presidente da mutualista. A conversa, segundo o Expresso, foi esclarecedora para o Presidente da República que deu sinais ao Governo de que esperava alterações para breve.

Esta alteração à lei, promovida pelo Governo, irá recair já sobre a nova administração da ASF, uma vez que José Almaça está de saída. Margarida Corrêa de Aguiar, que vem do Banco de Portugal (era consultora), é a próxima presidente da autoridade dos seguros, sendo que o seu nome, já aprovado pela Cresap, ainda aguarda audição no Parlamento para poder tomar posse. O mesmo acontecendo para o candidato a vogal da administração da ASF, Manuel Caldeira Cabral.

Mas será que a condenação do Banco de Portugal que implicou a aplicação de coimas (e não da inibição de funções no setor financeiro, ao contrário do que chegou a ser ventilado) é suficiente para, à luz do novo Código das Associações Mutualistas, reabrir o processo de apreciação da idoneidade a Tomás Correia?

Vejamos, o que diz o novo Código das Associações Mutualistas (CAM), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto.

No artigo 100.º, relativo à Idoneidade diz que, "são elegíveis os associados que cumulativamente cumpram os seguintes requisitos de idoneidade: a) Estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e associativos; b) Sejam maiores; c) Tenham, pelo menos, um ano de vida associativa, salvo se os estatutos exigirem maior prazo; d) Tenham experiência e conhecimentos adequados ao cargo e à natureza e dimensão da instituição a que se candidatam; e) Sejam pessoas idóneas, nomeadamente por não terem sido condenados, em Portugal ou no estrangeiro, por crime doloso contra o património, abuso de cartão de garantia ou de crédito, usura, insolvência dolosa ou negligente, apropriação ilegítima de bens do setor público ou não lucrativo, falsificação, gestão danosa, corrupção, branqueamento de capitais, prática ilícita de gestão de fundos de pensões, abuso de informação e manipulação do mercado de valores mobiliários, salvo se, entretanto, tiver ocorrido a extinção da pena; f) Não exerçam atividade concorrente nem integrem órgãos sociais de entidades concorrentes com a associação, ou de participadas desta, exceto se em sua representação; e g) Não tenham com a associação, suas participadas e estabelecimentos qualquer contrato de fornecimento de bens ou de serviços".

Isto é, o novo Código diz, na alínea e), que só não é idóneo quem tiver sido condenado, em Portugal ou no estrangeiro, "por crime doloso contra o património, abuso de cartão de garantia ou de crédito, usura, insolvência dolosa ou negligente, apropriação ilegítima de bens do setor público ou não lucrativo, falsificação, gestão danosa, corrupção, branqueamento de capitais, prática ilícita de gestão de fundos de pensões, abuso de informação e manipulação do mercado de valores mobiliários, salvo se, entretanto, tiver ocorrido a extinção da pena". Ora, o processo do Banco de Portugal não é um processo crime, e os ilícitos determinados pelo supervisor bancário não cabem nesta alínea.

Portanto não é apenas um "vazio" legal que segura Tomás Correia à frente da Associação Mutualista.

A probabilidade de saída de Tomás Correia depende mais da sua vontade do que da avaliação da idoneidade, segundo estes critérios estampados no Código. Tomás Correia pode optar por sair para fugir a mais batalhas e guerras mediáticas, mas, mesmo assim, se decidir renunciar, a presidência da Associação Mutualista seria imediatamente assumida por um membro do seu Conselho de Administração. Chegou mesmo a falar-se de Luís Almeida.

Tudo porque os estatutos da Associação Mutualista Montepio Geral prevêem expressamente no artigo 32º que "em caso de vacatura da presidência, os vogais eleitos elegem entre si o substituto até ao preenchimento da vaga". Pelo que, uma eventual saída de Tomás Correia da Associação Mutualista Montepio Geral não significa necessariamente eleições antecipadas, podendo um dos atuais administradores passar a presidente da mutualista num período transitório. Aliás, esta situação já aconteceu em 2008, quando Silva Lopes se reformou e não houve de imediato eleições no Montepio, tendo Tomás Correia (que pertencia à equipa) sucedido à frente do Montepio, tal como recorda a Lusa.

Atualmente, o Conselho de Administração da Associação Mutualista Montepio Geral é composto pelo presidente, Tomás Correia, e por Carlos Morais Beato, Virgílio Lima (ambos pertenciam já à anterior administração), Idália Serrão e Luís Almeida como vogais.

Associação vai rever estatutos

Seria assim possível manter a equipa de gestão da mutualista e atrasar o processo de eleições até ao momento em que já estiverem em vigor os novos estatutos da Associação Mutualista Montepio Geral. A Associação vai começar este mês de março em processo de revisão dos estatutos, que tem de ser concluído até setembro, para que o governo interno esteja em linha com o novo código mutualista, e tal implica eleições para eleger a constituição do novo órgão social que será criado, a Assembleia Geral de Representantes.

A Assembleia Geral de Representantes (que funcionará como um 'parlamento') terá de ser eleita por método proporcional (o número de membros não está definido) e será a responsável por decidir sobre muitas das questões que atualmente vão a assembleia-geral, como as contas anuais e o programa de ação e o orçamento do ano seguinte.

Entre os vários trabalhos será feita uma revisão dos estatutos da Associação Mutualista para criar o órgão Assembleia Geral de Representantes.

Recorde-se que tem ainda de ser criada uma Comissão de acompanhamento da transição para o regime de supervisão da ASF e que será composta por um representante do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social; um representante do Ministério das Finanças; um representante da Direção-Geral da Segurança Social; um representante da ASF; e um representante de cada uma das associações mutualistas abrangidas pelo regime de supervisão.

 

O jogo do empurra na avaliação da idoneidade

Em causa está a condenação, por parte do Banco de Portugal, a Tomás Correia quando era presidente do banco da Mutualista, e que terá de pagar uma multa de 1,25 milhões de euros, depois de o supervisor ter detetado falhas enquanto exercia o cargo de presidente do agora denominado Banco Montepio, entre 2009 e 2014. O presidente da Associação já revelou que vai recorrer da decisão e que não vê motivos para sair da liderança da Associação Mutualista. Este processo começou em 2014, com a auditoria forense à Caixa Económica Montepio Geral. Já tinha havido acusação, depois deu-se o período da defesa e agora houve a condenação que é passível de recurso.

O Banco de Portugal condenou Tomás Correia e outros administradores da ex-Caixa Económica Montepio Geral (Álvaro Dâmaso, Eduardo Farinha, Almeida Serra e Paulo Magalhães) pela quebra das regras de controlo interno da instituição financeira. O regulador bancário acusa Tomás Correia de 20 contra-ordenações por violações da lei bancária ocorridas entre 2009 e 2014.

"Sobre a decisão do Banco de Portugal anunciada na passada quinta-feira, dia 28 de fevereiro, o Banco Montepio e os visados encontram-se a analisar os seus fundamentos num contexto de absoluta serenidade e com sentido de responsabilidade e anunciarão em breve as suas conclusões sobre esta matéria", comunicou depois a Associação Mutualista.

"Importa, no entanto, sublinhar que o Banco de Portugal, na sua decisão, não inibiu do exercício das suas funções qualquer um dos visados, na medida em que, para além das coimas e dos custas processuais, apenas foi decidida a sanção acessória da publicação da punição definitiva, o que está muito longe de acontecer", esclareceu também a entidade liderada por Tomás Correia.

Seguiu-se uma polémica mediática em cima de confronto público em torno de quem deve supervisionar a associação mutualista Montepio e, em particular, quanto à idoneidade de Tomás Correia.

Por um lado o ministro do Trabalho e da Segurança Social afirmou  que o novo Código das Associações Mutualistas (CAM) “é muito claro” ao definir que cabe ao regulador de seguros a supervisão das instituições, não sendo necessário clarificar a lei. Mais tarde, António Costa acabou por emendar a mão do seu ministro ao decidir avançar assim com uma "norma interpretativa" sobre avaliação da idoneidade dos gestores da Mutualista pela ASF.

“A legislação sobre o setor das mutualidades durante muito tempo não tinha nenhuma previsão sobre quem é que devia cumprir uma função de supervisão”, começou por dizer o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

“Essa lacuna (…) foi superada pela aprovação do decreto de lei que veio criar o novo código das mutualidades e fê-lo de uma forma muito clara, criando dois subgrupos com um montante de atividade económica definidor sendo que as mutualidades que se situam acima desse montante, dessa linha, a sua supervisão financeira é da responsabilidade da ASF”, chegou a dizer Vieira da Silva.

“Estou absolutamente convicto de que será a ASF que irá avaliar essas questões”, reforçou o governante.

Depois em comunicado oficial conjunto entre o Ministério das Finanças e o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, o Governo veio dizer que tem de ser  a ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões a avaliar a idoneidade de Tomás Correia. “A ASF dispõe do poder de analisar o sistema de governação e os riscos a que a AMMG está, ou pode vir a estar exposta, e a sua capacidade para avaliar esses riscos, por referência às disposições legais, regulamentares e administrativas em vigor para o setor segurador”, disse o Governo.

No entanto o supervisor dos seguros respondeu-lhe na volta do correio com o regime transitório de supervisão financeira. A ASF lança um comunicado a esclarecer que não tem competências para "aferir a idoneidade ou a qualificação de titulares de órgãos associativos das associações mutualistas com vista a autorizar ou a fazer cessar o exercício de funções", cabendo ao serviço competente da segurança social essas competências no período transitório.

"O Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto, que aprova o Código das Associações Mutualistas, veio fixar um regime transitório, aplicável até 12 anos, para que as associações mutualistas que reúnam os requisitos legalmente exigidos pelo artigo 136.º do referido Código, passem a estar sujeitas ao regime de supervisão financeira do setor segurador", começa por dizer a ASF.

Ora, "na pendência do período transitório de adaptação, conforme resulta do n.º 4 do artigo 6.º do mencionado Decreto-Lei, reforçado pelo artigo 33º-A da Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, introduzido pela Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro, às associações mutualistas não se aplica o regime jurídico da atividade seguradora, mas apenas o Código das Associações Mutualistas", diz a ASF.

A entidade liderada por José Almaça relembra que, no período de transitório de 12 anos, apenas compete à ASF "a monitorização e verificação da convergência das associações mutualistas com o regime da atividade seguradora, exigindo a elaboração de um plano de convergência e recolhendo informação sobre a entidade, a atividade, os produtos e outra que seja necessária para aferir da adequação do plano de convergência e do respetivo cumprimento" e remete para o n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto.

A ASF acaba mesmo a dizer  que "no decurso do período de transitório, não há qualquer disposição legal que habilite a ASF a aferir a idoneidade ou a qualificação de titulares de órgãos associativos das associações mutualistas com vista a autorizar ou a fazer cessar o exercício de funções, cabendo-lhe, nos termos da lei, analisar o sistema de governação no contexto da monitorização da convergência com o regime de supervisão financeira do setor segurador".

"Importa ainda salientar que à ASF, tal como às demais autoridades administrativas, está vedada a prática de atos para os quais não tenha competência legal", remata o supervisor, num claro recado para o Governo.

Depois do comentário de Luís Marques Mendes no domingo passado, a sugerir uma correção à lei para pôr a ASF já a avaliar a idoneidade, eis que o Governo decidiu seguir a sugestão do comentador.

O novo Código das Associações Mutualistas entrou em vigor em setembro passado e, a partir de dezembro, a uma semana das eleições naquele associação (que acabariam ganhas por Tomás Correia), o Governo decretou que tanto o Montepio Geral como o Montepio Nacional de Farmácias tinham dimensão suficiente para, à luz daquele diploma, serem supervisionadas pela ASF.

Só que o diploma traz um período transitório de 12 anos, até 2030, para que possa ser exercida sobre as maiores mutualistas a mesma supervisão que é exigida pela ASF às seguradoras. Há já, neste período, um poder específico de “análise” do sistema de governação, mas José Almaça considera que analisar não é o mesmo que decidir.

Tomás Correia tomou posse como presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, no dia 3 de janeiro de 2109 e para essa tomada de posse teve de ser previamente validado pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social que, ao o autorizar, certificou a sua idoneidade.

O Conselho de Administração da Associação Mutualista é liderado por Tomás Correia, cuja lista ganhou as eleições de dezembro com 43,2% dos votos, ainda que perdendo a maioria absoluta.