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Cacau: Preço deve continuar volátil mas com tendência de descida em 2026

O aumento da produção em diversos países produtores da América Latina, com destaque para o Equador, a gradual melhoria da oferta na África Ocidental, e menor pressão operacional são alguns dos fatores que devem pressionar em baixa o preço do cacau em 2026, assinalam os analistas consultados pelo JE. Mas as condições meteorológicas, o controlo das doenças nas plantações e a evolução dos stocks nos portos, podem introduzir volatilidade neste mercado.

O preço do cacau nos mercados financeiros apresentou um comportamento contrastante entre 2024 e 2025. Desde o início deste ano a matéria-prima apresenta uma quebra que atinge quase 50%, 48% para ser preciso. 2026 pode trazer volatilidade no mercado com uma tendência de baixa do preço, assinalam os analistas consultados pelo Jornal Económico (JE).

A professora bolsista da Christ Church e investigadora do Programa sobre o Futuro dos Alimentos da Oxford Martin School, Tonya Lander, salienta que a indústria ligada ao cacau é avaliada em 100 mil milhões de dólares, por ano, sendo também o 'ganha-pão' de quatro a seis milhões de pequenos agricultores que produzem 90% dos grãos de cacau do mundo.

O analista da XTB, Vítor Madeira, assinala que as quedas que se têm verificado no preço do cacau são justificadas por fatores como o aumento da produção, com os produtores e investidores a "concentrarem-se nos padrões climáticos e na quantidade exportada" nos portos das principais regiões produtoras da África Ocidental.

[caption id="attachment_1364449" align="aligncenter" width="624"]Fonte: XTB Research Fonte: XTB Research[/caption]

Vítor Madeira sublinha que a queda acentuada que se tem verificado nos últimos meses, nos futuros do cacau, levaram a que o preço atingisse mesmo o seu nível mais baixo dos últimos (quase) dois anos, "com a tendência de baixa a tornar-se ainda mais forte" no início de novembro.

"A recente subida, desde o final de novembro, à volta de mil dólares a tonelada, para valores acima dos seis mil dólares, tem sido influenciada pela expectativa de um excedente global mais reduzido e pelo interesse especulativo associado à futura inclusão dos futuros de cacau no Bloomberg Commodity Index. No curto prazo, os preços deverão manter algum suporte devido aos stocks mais baixos e revisões em baixa da oferta, embora permaneça a possibilidade de maior estabilização se a produção na África Ocidental continuar a recuperar", explica o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa.

"A produção tem aumentado, contribuindo para a descida dos preços dos futuros. As moagens permanecem estáveis, mas vários produtores mundiais, incluindo a Hershey, a Mondelez e a Barry Callebaut, apontam para uma diminuição da procura de produtos de chocolate devido aos elevados preços de retalho", explica Vítor Madeira.

Desvalorização reflete reversão dos fatores que levaram a máximos no cacau

"O mercado das matérias-primas agrícolas é caracterizado por uma forte volatilidade das cotações, que nos últimos tempos atingiu o cacau com uma particular intensidade. A desvalorização acentuada nos últimos meses reflete a reversão dos fatores que impulsionaram o cacau para máximos históricos no final de 2024", explica a BA&N Research Unit.

"Até o final de 2022 o cacau apresentou preços estáveis na  bolsa de Nova Iorque e ligeiramente acima de dois mil dólares por tonelada", assinala o presidente da Maxyield, Carlos Rodrigues.

O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, explica que o preço do cacau "manteve-se" estável até meados de 2023, refletindo um "equilíbrio" entre oferta e procura e níveis confortáveis de stocks. "Em 2023 verificamos uma trajetória tendencialmente crescente, ultrapassando ligeiramente quatro mil dólares por tonelada, no final do ano", salienta Carlos Rodrigues.

"No entanto, a partir de meados de 2023 os preços aumentaram acentuadamente, atingindo máximos históricos acima dos 12 mil dólares por tonelada no início de 2024", descreve Paulo Monteiro Rosa.

"Esta escalada deveu-se sobretudo à quebra da produção na África Ocidental (nomeadamente Gana e Costa do Marfim, os dois maiores produtores mundiais de cacau), causada por condições meteorológicas adversas e pela proliferação de doenças nas plantações, ao mesmo tempo que os stocks internacionais caíram para mínimos e a especulação financeira aumentou", acrescenta o economista.

Carlos Rodrigues assinala que a subida no preço do cacau, verificada em 2023 e 2024, deveu-se à "crise" verificada do lado da oferta, devido à "escassez de amêndoa, provocada por fracas colheitas, resultantes de condições climáticas e safras africanas desfavoráveis", onde se concentram os maiores produtores mundiais. "Esta escassez de cacau, ocorreu num contexto de pressão do consumo internacional, gerando um desequilíbrio entre a oferta e procura", assinala.

Paulo Monteiro Rosa refere que após o máximo histórico, o mercado corrigiu "mais de metade" da subida, em parte também ditada pela especulação, com os preços a recuarem para níveis próximos dos atuais 5.500 a seis mil dólares por tonelada.

Esta quebra [no preço], verificada em 2025, está a refletir uma "normalização" da produção, sobretudo na Costa do Marfim, país que abastece mais de 40% do consumo mundial de cacau, refere a BA&N Research Unit. No ano anterior [2024] a subida justificou-se pela "combinação de pragas e condições climatéricas extremas (chuvas intensas e seca severa)" nos países da África Ocidental e América Latina, "onde estão concentrados os maiores produtores mundiais", explica a BA&N Research Unit. O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, salienta que a "forte concentração" da produção de cacau, na Costa do Marfim e no Gana, torna a produção de cacau "muito vulnerável" a qualquer adversidade climática ou produtiva nestes países, o que "impacta de imediato" os preços internacionais.

"Esta descida [no preço em 2025] determinada também pela expectativa de melhoria da produção global no próximo ano de 2026, embora as recentes revisões em baixa do excedente mundial – tanto pelo Citigroup como pelo Rabobank – indiquem uma oferta menos folgada do que se antecipava inicialmente", salienta Paulo Monteiro Rosa.

"Esta redução dos preços resulta de melhoria das culturas, que permitiram a regularização da oferta. No entanto, no ultimo mês, ocorreu um aumento de 20% nos preços, resultante de "aperto" superior ao esperado nas condições de fornecimento", assinala Carlos Rodrigues relativamente aos preço desta matéria-prima em 2025.

 

[caption id="attachment_1364450" align="aligncenter" width="635"]Fonte: Trading Economics, via Maxyield Fonte: Trading Economics, via Maxyield[/caption]

"A Organização Internacional do Cacau estima que a campanha 2024/2025 já terá um excesso de oferta de 142 mil toneladas métricas, o que contrasta com défices nos quatro anos anteriores (494 mil toneladas métricas em 2023/2024)", adianta a BA&N.

A BA&N diz ainda que além do impacto das condições climatéricas favoráveis, os preços elevados do cacau "induziram" um aumento da oferta por parte dos produtores. "Por outro lado, os preços altos destruíram parte da procura junto dos consumidores finais, o que acentua o desequilíbrio no mercado, num claro contraste com o que aconteceu em 2024. A moagem de cacau na Europa baixou para mínimos de 10 anos no terceiro trimestre e estão também em queda na América do Norte e na Ásia", refere a BA&N.

Paulo Monteiro Rosa salienta que a redução dos stocks nos portos dos Estados Unidos continua, contudo, a "suportar" os preços. "A produção da Costa do Marfim tem evoluído positivamente nas últimas colheitas, contribuindo para alguma estabilização, embora o mercado esteja muito focado na evolução dos stocks nos portos", refere o economista do Banco Carregosa.

Já o analista da ActivTrades Europe, Henrique Valente, sublinha que o preço do cacau acabou por "perder força" ao longo deste ano de 2025. "Após um arranque marcado por escassez percebida e por um forte prémio de risco, o mercado entrou num processo de normalização", descreve Henrique Valente.

"A procura cedeu, a oferta começou a reagir e o preço deixou de conseguir justificar a avaliação extrema do início do ano", detalha o analista da ActivTrades Europe.

Henrique Valente sublinha que o clima "foi, e continuará a ser", o principal fator de risco para a produção e para a volatilidade.

"Os preços elevados criaram fricções financeiras relevantes, aumentando o capital necessário para comprar, armazenar e negociar grão, bem como as exigências de margens nas coberturas com futuros. Este tipo de pressão tende a reduzir a liquidez e a amplificar a volatilidade", sublinha Henrique Valente.

O analista da ActivTrades Europe acrescenta que o abrandamento da procura acabou por ter reflexo nos dados de moagens do segundo trimestre. "Na Europa, as moagens caíram 7,2%. Nos Estados Unidos, a descida foi de 2,8%. Na Ásia, a quebra foi bem mais acentuada, de cerca de 16%", diz Henrique Valente.

Enquanto isto acontecia, sublinha Henrique Valente, os preços elevados incentivaram a resposta da oferta. "Os níveis de 2024 e do início de 2025 criaram estímulos para aumentar a produção e melhorar rendimentos, sobretudo fora da África Ocidental. O mercado passou a dar mais peso à América Latina, em particular ao Equador, que está em vias de se tornar a segunda maior origem mundial de cacau. Em julho, a expectativa de uma colheita mais favorável retirou parte do prémio associado ao receio de escassez", adianta o analista da ActivTrades Europe.

A professora bolsista da Christ Church e investigadora do Programa sobre o Futuro dos Alimentos da Oxford Martin School, Tonya Lander, assinala ainda que as tarifas comerciais dos Estados Unidos também "podem ter indiretamente impulsionado" os preços do cacau através dos seus efeitos no mercado do ouro. "A instabilidade do mercado financeiro após o anúncio das tarifas comerciais dos Estados Unidos no início de 2025 levou os investidores a comprar metais preciosos, incluindo ouro", salientou a investigadora.

"A mineração ilegal de ouro já estava a causar perdas florestais no Gana, o sexto maior produtor mundial de ouro. Com a volatilidade dos preços do cacau e a força do mercado do ouro, muitos produtores de cacau do Gana venderam as suas terras a mineradores de ouro, reduzindo a produção global de cacau e causando grande contaminação dos rios", salientou Tonya Lander.

E para 2026?

Para a BA&N, e perspetivando o que pode ser 2026, enquanto o mercado "persistir" numa situação de volume da oferta superior à procura, as cotações "deverão continuar pressionadas".

A BA&N adianta que o preço do cacau "vai refletir" o desempenho das colheitas e as condições climatéricas, sobretudo na Costa do Marfim, sendo que o volume de cacau expedido através dos portos deste país africano "tem estado em alta" nos últimos meses.

"As cotações poderão ser impulsionadas, no curto prazo, pelo regresso do cacau no Bloomberg Commodity Index a partir de janeiro de 2026, após uma ausência de duas décadas. Este índice de matérias-primas é replicado por muitos fundos de investimento passivos, pelo que as expetativas apontam para um investimento próximo de dois mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) nos futuros do cacau nos três meses posteriores à inclusão no índice", refere a BA&N.

Quanto à procura física pela matéria-prima, o mercado "vai monitorizar" os volumes de encomendas das maiores firmas do setor, como a Nestlé, Hershey e Mondelez, perspetiva a BA&N.

"Apesar da desvalorização acentuada nos últimos meses, a cotação atual do cacau duplica o registado entre meados de 2017 até meados de 2023, em que transacionou sempre abaixo dos três mil dólares (2.500 euros)", sublinha a BA&N.

"Numa conjuntura de ausência de condições adversas que afetem as colheitas, há margem para as cotações continuarem a corrigir em baixa, até porque diversos países produtores da América Latina (com destaque para o Equador) estão a aumentar a produção. Um regresso aos máximos do final de 2024 só é expetável num contexto de produção na Costa do Marfim fortemente constrangida por pragas e/ou condições climatéricas muito desfavoráveis", perspetiva a BA&N.

O economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, considera que 2026, no que respeito aos preços do cacau deverá ser marcado por uma "maior estabilização", sobretudo pela "gradual melhoria" da oferta na África Ocidental, com "recuperação das plantações na Costa do Marfim e no Gana, expectativas de um excedente global moderado em 2025/26 e stocks internacionais um pouco mais confortáveis".

Paulo Monteiro Rosa adianta que a redução da especulação face ao período de máximos históricos também "deverá contribuir" para um mercado menos volátil. "Os principais fatores a monitorizar continuam a ser as condições meteorológicas, o controlo das doenças nas plantações e a evolução dos stocks nos portos", considera o economista sénior do Banco Carregosa.

O analista da ActiveTrades Europe, Henrique Valente, considera que o cenário base, para 2026, no que diz respeito ao cacau, aponta para preços "mais baixos", com uma normalização sustentada por "procura condicionada, oferta mais favorável, excedente de petróleo e menor pressão operacional" após o adiamento da regulamentação europeia para a desflorestação.

"Ainda assim, a trajetória não deverá ser linear. O clima continuará a ser o fator crítico e qualquer choque meteorológico pode reintroduzir volatilidade. Em paralelo, o posicionamento nos contratos futuros é fortemente pessimista. Com a percentagem de posições curtas no nível mais elevado desde 2021, grande parte do cenário de descida já parece refletida nos preços, deixando o mercado vulnerável a “short squeezes” perante qualquer surpresa negativa na oferta ou no clima", alerta Henrique Valente.

O presidente da Maxyield, Carlos Rodrigues, assinala que as projeções de futuros indicam uma "potencial tendência de quebra" nos preços relativamente aos valores recentes.

Carlos Rodrigues refere que esta tendência se deve a vários fatores. Entre os quais o acompanhamento que o mercado faz das condições climáticas e a produção em África, designadamente na Costa do Marfim e Gana, maiores produtores mundiais, onde se concentra sensivelmente 60% da produção. "Paralelamente, estamos a verificar um importante aumento da produção na América do Sul, designadamente Brasil e Equador. Por outro lado, assiste-se a um "arrefecimento" da procura industrial, que vem reformulando o teor de cacau nos seus produtos e a utilização de substitutos", refere Carlos Rodrigues.

"Paralelamente, a regularização da oferta em 2026 provocará menores oscilações de preços e redução da sua volatilidade. No entanto devem permanecer estruturalmente elevados e acima das médias históricas de longo prazo, não sendo espectável um retorno aos baixos preços observados antes de 2023", salienta Carlos Rodrigues.

O presidente da Maxyield adianta também que esta evolução tem por base as "melhorias" na monitorização da oferta, "exigências" na introdução de práticas sustentáveis e "menor pressão" da procura industrial.

"A nível da monotorização da oferta, o focus encontra-se na eliminação da escassez provocada pelas condições climáticas e safras africanas, onde se encontram os maiores produtores mundiais. A introdução de práticas sustentáveis, é suportada por três pilares de natureza económica, ambiental e social, envolvendo certificações de qualidade, conservação florestal, combate ao trabalho infantil e salvaguarda dos rendimentos dos agricultores", acrescenta Carlos Rodrigues.

Analista perspetiva elevada volatilidade no cacau em 2026

Perspetivando o que pode ser 2026 o analista da XTB, Vítor Madeira, realça que após o cacau ter atingido mínimos em novembro de 2025, acabou por sofrer uma "pressão em alta" levando a que o preço voltasse a subir (+25% em apenas 15 dias), após surgirem sinais de que o excedente global "poderá ser muito inferior" do que o previsto.

"As revisões em baixa das estimativas de oferta, feitas pelos grandes produtores, indicam que o equilíbrio entre oferta e procura continua frágil, devido à enorme subida dos preços do cacau em 2023 e 2024", descreve Vítor Madeira.

A isto, adianta Vítor Madeira, juntam-se ainda níveis de inventários "mais reduzidos" e o fecho de posições curtas nos mercados de futuros, fatores que "reforçam" a pressão altista. "Apesar das expectativas recentes de boas colheitas na África Ocidental, o mercado mostra que qualquer ajustamento na oferta pode ter um impacto imediato nos preços, mantendo o cacau num contexto de elevada volatilidade durante o próximo ano".