É neste contexto que, em 2025, o regime fiscal do Patent Box ganha destaque em Portugal como uma ferramenta poderosa — ainda que pouco explorada — ao serviço da política fiscal. Previsto no artigo 50.º-A do Código do IRC, este regime permite excluir até 85% dos rendimentos líquidos obtidos com a exploração de determinados ativos de propriedade intelectual da base tributável. Na prática, as empresas pagam imposto apenas sobre os 15% restantes, o que se traduz numa taxa efetiva muito inferior à taxa nominal.
É, sem dúvida, um incentivo fiscal de excelência.
No entanto, como acontece em tantas áreas da fiscalidade portuguesa, o que é excelente na teoria acaba muitas vezes por tropeçar na complexidade da aplicação prática. Este regime aplica-se apenas a patentes registadas, modelos ou desenhos industriais protegidos e software devidamente registado como obra sujeita a direitos de autor. Mas não basta possuir estes ativos: é essencial que estejam registados junto de entidades oficiais, como o INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial], o EUIPO - Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia, o IGAC [Inspecção-geral das Actividades Culturais] ou a ASSOFT. Além disso, os rendimentos devem resultar de uma exploração comercial efetiva — como contratos de licenciamento ou cessão — e todas as despesas de investigação e desenvolvimento associadas ao ativo têm de estar cuidadosamente identificadas e contabilizadas.
E é justamente aqui que surge uma das principais barreiras à adoção do Patent Box. O seu enquadramento legal exige um nível de formalismo e sofisticação que, na prática, acaba por excluir a maioria das empresas portuguesas.
De acordo com o chamado Modified Nexus Approach, alinhado com as diretrizes da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], o benefício fiscal é proporcional ao esforço de I&D realizado pela própria entidade que beneficia do regime. Embora esse critério seja justo do ponto de vista concetual, na prática exige um grau de organização contabilística e jurídica que muitas empresas — sobretudo pequenas e médias — ainda não conseguem garantir.
Ora, em Portugal, 99% do tecido empresarial é composto por PME [pequenas e médias empresas]. Apesar da sua capacidade de inovação e resiliência, a verdade é que a maioria destas empresas não tem os seus ativos de propriedade intelectual protegidos ou sequer registados. Seja por falta de conhecimento, recursos ou estratégia, muitas inovações feitas em solo nacional não estão legalmente salvaguardadas — o que impede as empresas de sequer considerar o aproveitamento do Patent Box.
O resultado é um paradoxo difícil de ignorar: temos à disposição um benefício fiscal moderno, com potencial para transformar conhecimento em vantagem competitiva, mas que está, na prática, fora do alcance de quem mais poderia beneficiar dele. É inegável que o Patent Box representa uma oportunidade concreta para empresas tecnológicas, centros de I&D, startups e criadores de software — desde que cumpram os requisitos. Porém, a sua aplicação exige uma abordagem multidisciplinar e integrada - que envolva componentes jurídicas, fiscais, contabilísticas e estratégicas - algo que ainda está longe de ser uma realidade generalizada no tecido empresarial português.
Portugal não se pode dar ao luxo de manter este regime na prateleira. Ignorá-lo é desperdiçar uma ferramenta eficaz, legítima e alinhada com as melhores práticas internacionais. Mas mais preocupante do que ignorar o Patent Box é mantê-lo inacessível à maioria. Num momento em que o país atravessa possíveis mudanças no seu rumo político, é fundamental que o próximo Governo vá mais além: que não se limite a manter regimes como este, mas que trabalhe para democratizar o acesso à proteção da propriedade intelectual — através de apoios concretos ao registo, simplificação dos incentivos fiscais e programas de capacitação específicos para PME.
Só assim será possível fazer do Patent Box uma verdadeira alavanca de crescimento económico, inovação e internacionalização. O conhecimento é o novo petróleo. Mas, ao contrário do petróleo, não basta encontrá-lo – é preciso saber extraí-lo, refiná-lo e protegê-lo.