Skip to main content

Presidente da Activotrade: "Corretagem tradicional já não existe"

Luís Gomes, fundador e presidente da Activotrade, explica, em entrevista, que após a última crise financeira, os reguladores têm acompanhado a digitalização. No entanto, a longo prazo, considera que regulação europeia irá obrigar as corretoras a encontrar novos mercados fora deste espaço.

O foco da Activotrade é a negociação online. Em que é que o online trading difere da corretagem tradicional?

Aquilo que designamos por corretagem tradicional já não existe. A imagem de um operador a receber uma chamada do cliente, com este último a discutir e a transmitir uma determinada ordem já deixou de existir. Atualmente, todos os clientes realizam as suas compras e vendas em bolsa através de plataformas de negociação online. Apenas em casos muito pontuais, nomeadamente falha de ligação à Internet, problemas técnicos com a plataforma, entre outros, obrigam o cliente a solicitar a transmissão da sua instrução por via telefónica ou correio electrónico. Ou seja, a corretagem tradicional, tal como a imaginamos, é algo que foi ultrapassado há muitos anos, tratando-se de algo muito residual.

Porquê essa especialização no online?

Em janeiro de 2010, quando iniciámos a nossa actividade em Espanha, procurávamos captar dois tipos de clientes: os clientes da corretagem tradicional e os clientes que nunca tinham negociado em bolsa. O nosso target foi essencialmente o segundo grupo, pois tratava-se de um segmento em forte crescimento, por várias razões.

Os instrumentos derivados OTC, como os CFDs, permitiam o acesso ao investimento em bolsa com um reduzido montante de capital. As plataformas de negociação online ofereciam CFDs com todo o tipo de activos subjacentes (índices, ações, matérias-primas…). Este segmento desejava tomar decisões de investimento de forma autónoma e rápida, algo que as plataformas de negociação online permitiam.
Por fim, existia um certo descrédito das corretoras tradicionais, em particular as ligadas a bancos comerciais. Após a crise de 2008, muitos clientes decidiram não confiar na pessoa do outro lado da linha/balcão e decidiram tomar as suas próprias decisões de investimento. Ou seja, as plataformas de negociação online eram a ferramenta ideal para estes clientes.

Os millennials estão na vanguarda da digitalização. É este o vosso público alvo? Considera que os mais jovens em Portugal estão interessados em investir online?

Apesar de ser verdade que o público jovem tem uma facilidade quase inata para as mais recentes tecnologias, tem-se verificado uma crescente penetração de smartphones e tablets nas camadas mais seniores, sendo cada vez mais comum vermos pessoas de 65, 70 ou, até mesmo, de 80 anos a ler as notícias ou a consultar a sua conta bancária através do smartphone.

Por outro lado, o segmento mais jovem não possui, em geral, poupanças e/ou rendimentos suficientes para negociar em bolsa de forma séria. Por estas razões, o nosso público alvo encontra-se entre os 35 e os 65 anos, sendo mais comum ter clientes acima dos 65 do que abaixo dos 35.

Quais as vantagens do online trading para investidores e para empresas?

Podemos apontar várias vantagens do online trading, entre outras: possibilidade de exposição a todas as classes de ativos (índices, acções, divisas…) e geografias (Estados Unidos, Ásia…); é uma alternativa de investimento ao depósito a prazo tradicional, em particular num contexto de taxas de juro em torno a 0%, permitindo obter rendibilidades superiores; possibilidade de executar ordens de compra ou venda e consultar a evolução do valor da sua carteira em tempo real e de forma transparente; e possibilidade de realizar a cobertura de riscos, através da utilização de instrumentos derivados (Futuros, Opções, CFDs….).

Por outro lado, atendendo que, ao negociar, o cliente está conectado à Internet, existe a possibilidade de lhe prestar múltiplos serviços online, tais como webinars de acompanhamento do mercado, alertas automáticos ou links para as principais notícias que afectam os mercados, facilitando, assim, a tomada de decisões de investimento.

Há maiores riscos? Como lidam com esta questão?

Essencialmente, os riscos da negociação online resultam de duas coisas: desconhecimento do cliente da plataforma de negociação, resultando em erros na introdução de ordens (erro na introdução da quantidade a negociar, não associar um stop-loss a uma dada ordem…); e incorreta utilização de um determinado instrumento financeiro, tendo em conta os objectivos de investimento do cliente (especulação, posições curtas, rentabilidade a curto prazo…).

Esta má utilização resulta da falta de experiência e conhecimentos do cliente, levando-o a correr riscos desnecessários e a adoptar estratégias de investimento sem sentido. É por este motivo que a Activotrade aposta fortemente em ações de formação para os clientes, principalmente antes da abertura da conta, para evitar riscos desnecessários.

A Activotrade oferece vários cursos de bolsa e sobre as plataformas de negociação que comercializa, tanto online como presencial. Por outro lado, adoptámos rapidamente os novos desafios impostos pela regulação, em particular a diretiva DMIF II. Atualmente, recomendamos o cliente a desistir do processo de abertura, caso entendamos que as suas necessidades de investimento não correspondem aos objetivos de investimento indicados. Além disso, temos um teste de adequação muito exigente, visando avaliar os conhecimentos e a experiência efectiva do cliente. Caso este não esteja capacitado para negociar um
determinado instrumento, alertamo-lo, tanto no momento de abertura do contrato como nas primeiras tentativas de introduzir uma determinada instrução para um instrumento financeiro que consideramos não adequado.

Ao nível da regulamentação, considera que traz desafios maiores?

A nova regulamentação está a colocar enormes desafios às empresas de investimento, em particular às pequenas corretoras ou às não associadas a instituições financeiras de grande dimensão. A regulamentação é aplicada de forma uniforme, sem ter em conta a dimensão da entidade supervisionada.

Desta forma, as funções de compliance têm um peso muito superior numa pequena empresa do que numa grande instituição financeira que tem ao seu dispor enormes equipas de compliance. Desta forma, a diretiva MIFID II e as restrições à alavancagem dos CFDs são um grande desafio para as pequenas corretoras, sendo provável assistirmos, num futuro próximo, a movimentos de consolidação no setor. Vivemos num ambiente regulatório muito complexo e exigente, sendo essencial automatizar processos e apostar continuamente na inovação, em particular na prestação de serviços para além da negociação online.

Considera que a posição e atuação dos reguladores tem acompanhado a evolução e digitalização do mercado?

Em resultado da última crise financeira, os reguladores incrementaram substancialmente a sua atuação e têm acompanhado a evolução e digitalização do mercado. No presente momento, existe um conhecimento muito mais aprofundado destas entidades do que há poucos anos. No entanto, tem-se utilizado o potencial da digitalização para justificar os múltiplos pedidos de informação, algo que afeta particularmente as pequenas entidades, com menos recursos para investir em tecnologias de informação.

A Activotrade existe há dez anos. O que mudou no online trading numa década?

Em relação aos serviços prestados aos clientes, essencialmente quatros aspetos apresentaram modificações positivas durante este período: maior liquidez e velocidade de execução; maiores opções de investimento, tanto classes de ativos (acções, matérias-primas, índices, divisas..) como instrumentos financeiros (opções, CFDs, Forex…); descida expressiva dos custos de intermediação; e plataformas de negociação online muito mais potentes, destacando-se as ferramentas de análise técnica e fundamental.

Os reguladores introduziram várias medidas com o propósito de proteger os pequenos investidores, restringido o acesso a determinados instrumentos financeiros (instrumentos complexos e de risco) e introduzindo limitações à alavancagem financeira para determinados instrumentos financeiros.

Por fim, julgamos que a Activotrade teve um importante papel na modificação do mercado, nomeadamente para o mercado espanhol: democratizámos a formação em trading online facilitando o acesso a qualquer interessado em negociar no mercado financeiro. Além disso, criámos webinars que permitem acompanhar com facilidade, rigor e com toda a informação a evolução do mercado. Ou seja, hoje, o cliente pode negociar com mais informação e melhor preparação.

Como é que o negócio em Portugal? Quais os planos de expansão? 

A Activotrade atua em Portugal desde 2014, a partir do nosso escritório de Barcelona e com uma equipa de cinco pessoas. Com a abertura da sucursal Portugal, esta equipa foi transferida para Lisboa. Atualmente, temos cerca de 400 clientes em Portugal e o objetivo é atingir 2.000 nos próximos dois anos, obrigando à contratação de mais pessoas e à expansão da nossa oferta de cursos, tanto online como presencial. Queremos também atingir um volume de negociação mensal superior a mil milhões de euros.

Qual tem sido a evolução das receitas a nível global e em Portugal?

Nos últimos anos tem-se assistido à entrada de vários brokers internacionais nos mercados em que a Activotrade actua, verificando-se uma significativa redução de preços dos serviços de corretagem e, consequentemente, das margens. Por outro lado, a captação de novos clientes tem permitido à Activotrade mitigar o impacto desta pressão concorrencial nas receitas. Actualmente, o mercado português já representa entre 10 a 15% das nossas receitas globais, sendo a nossa previsão que aumente para cerca de 20% em 2019.

Onde esperam que o mercado esteja daqui a uma década?

Julgamos que o contexto regulatório na União Europeia irá obrigar as corretoras a encontrar novos mercados fora deste espaço, atendendo que é previsível uma descida expressiva do volume de negociação. O serviço de recepção e transmissão de ordens irá continuar a sofrer a erosão de margens, ou seja, os clientes irão negociar com tarifas mais reduzidas e será mais difícil diferenciar as plataformas de negociação. A diferenciação assentará na oferta de serviços relacionados com a negociação online: as corretoras capazes de proporcionar serviços que ajudem os clientes a tomar boas decisões serão as sobreviventes e as que irão vingar.