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Moedas dos países emergentes cabem no bolso de Donald Trump

A divisa chinesa tem sido penalizada pela guerra comercial e o impacto negativo estende-se às pares asiáticas. No entanto, moedas com relações menos estreitas à China não estão também imunes ao efeito Trump.

A retórica protecionista de Donald Trump está a criar receio nos investidores, que têm fugido do risco das divisas dos mercados emergentes e apostado na segurança do dólar norte-americano. Da China, à Turquia, passando por vários países africanos, o mercado cambial tem sido controlado pelas decisões e declarações do presidente dos Estados Unidos.

"As moedas dos mercados emergentes têm sofrido desde meio de abril, com a ameaça de guerra comercial entre EUA e China a levar a um agudo sell-off na maioria das divisas, contra um dólar norte-americano amplamente mais forte", explicou Matthew Ryan, analista da fintech cambial Ebury, em declarações ao Jornal Económico.

A disputa comercial continua a ser a principal questão a influenciar os mercados e continua viva, com a China a propor tarifas sobre bens norte-americanos no valor de 60 mil milhões de dólares, na sexta-feira. Simultaneamente, Trump afirmou que a estratégia de impor tarifas rígidas às importações chinesas está a "funcionar muito melhor do que se imaginava", apontando para as desvalorizações nas ações chinesas.

Desde abril, o yuan já caiu quase 10% contra o dólar. A intervenção do Banco Popular da China, há menos de duas semanas, para impor uma exigência de reserva sobre contratos futuros de câmbio teve, no entanto, o impacto desejado de deter a queda do yuan. Esta segunda-feira, a divisa chinesa negociava a subir 0,4% para 6,855 dólares.

Houve, no entanto, especulação de que o banco central estava feliz pelo enfraquecimento da moeda, como forma de compensação pelo impacto das tarifas norte-americanas. O esforço do de limitar a queda seria então uma tentativa das autoridades de mostrarem querer estabilidade e de terem uma atitude conciliadora.

Fragilidade estende-se por toda a Ásia

"De forma algo paradoxal, a retórica protecionista de Donald Trump provocou uma fuga dos investidores de moedas mais arriscadas dos mercados emergentes para para o dólar norte-americano mais seguro", referiu Ryan.

Os investidores assumiram uma visão geral de que as políticas protecionistas de Trump teriam menos impacto sobre a economia dos EUA do que as dos mercados emergentes. A economia dos EUA é amplamente impulsionada pela produção doméstica, enquanto muitos dos parceiros comerciais de mercados emergentes dependem bastante mais da procura externa.

"As moedas que acreditamos estarem entre as mais frágeis para perdas futuras tendem a ser de países que dependem mais da procura da China, ou seja, aqueles da Ásia, cujas economias sofreriam mais com a desaceleração da segunda maior economia do mundo", afirmou o analista da Ebury.

Entre os países asiáticos, o efeito tem sido generalizado. Entre as economias mais vocacionadas para as exportações - como o won coreano (-5,54%), o dólar de Taiwan (-3,2%) ou o dólar de Singapura (-2,3%) - todas têm performances negativas conta o dólar dos EUA no acumulado do ano.

Já nas economias com menores recursos e maiores níveis de crescimento - como a rúpia indiana (-7,8%), o peso filipino (-5,6%) ou a rúpia indonésia (6,8%) - o feito tem sido ainda maior. Nestes casos, os países contabilizam défices orçamentais maiores elevados, pelo que estão ainda mais vulneráveis a cenários adversos.

Nigéria, México e Turquia não estão imunes

O efeito Trump nas moedas não se fica, no entanto, pela Ásia e estende-se, especialmente, para África dado o uso do yuan como reserva monetária. "A maioria dos países da região têm empréstimos da China e só faz sentido que reembolsem em yuan chinês", explicava a porta-vos do Instituto de Gestão Financeira e Macroeconómica da África Oriental e Meridional (MEFMI), Gladys Siwela-Jadagu, à revista Quartz.

A China é o principal parceiro comercial de mais 130 países da região e, muitos deles, usam o yuan como reserva. O mais recente foi a Nigéria, que começou este mês a vender a moeda chinesa a comerciantes e empresas locais, dois meses depois de acordado uma troca de 2,5 mil milhões de dólares com a China, ao longo de três anos, para aumentar as reservas e ajudar o comércio entre os dois países.

É abordagem não é estranha entre os países africanos, mas as perspetivas da divisa chinesa como moeda de reserva vão além do continente. O Fundo Monetário Internacional incluiu o yuan na sua cesta de moedas de reserva como alternativa ao dólar em 2015, enquanto o Banco Central Europeu converteu 500 milhões de euros das reservas em dólares norte-americanos em yuan chinês.

Moedas com relações menos estreitas à China não estão, no entanto, imunes ao efeito Trump. Das primeiras divisas a ser penalizadas pelas políticas protecionistas norte-americanas foi o peso mexicano, logo quando o presidente chegou à Casa Banca.

A mais recente foi a lira turca.  A deterioração acentuada das relações entre Istambul e Washington e imposição de sanções norte americanas ao país veio juntar-se a uma série de problemas internos, incluindo a contínua manutenção das taxas de juro baixas apesar da inflação alta. A lira turca tocou, quarta-feira da semana passada, mínimos históricos, nas 5,05 liras turcas por cada dólar. Desde o início do ano, já acumula uma desvalorização superior a 25%.

"Há uma longa lista de questões, e a imposição de sanções dos EUA não é um bom presságio - para dizer o mínimo - para a resolução de outras questões", disse Inan Demir, economista senior de mercados emergentes, da Nomura, à agência Reuters. "Enquanto estas questões permanecerem e especialmente se aumentarem, as perspetivas de fluxo de capital para a Turquia serão afetadas negativamente".