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CES da Grécia: "Esforços têm de ser na criação de riqueza e não em mais sofrimento para a população"

O secretário-geral do Conselho Económico e Social da Grécia, Apostolos Xyraphis, explicou, em entrevista ao Jornal Económico, como a digitalização e o empreendedorismo podem impulsionar a competitividade uma economia ainda em crise.

A crise ainda não está no passado da Grécia e são necessárias reformas estruturais para que tal aconteça, segundo explicou Apostolos Xyraphis, secretário-geral do Conselho Económico e Social da Grécia, em entrevista ao Jornal Económico. O conselho é responsável exatamente por aconselhar o Parlamento sobre reformas, sendo que a digitalização e o empreendedorismo são principais focos estratégicos.

A Grécia acabou de sair do programa de ajuda financeira. A crise já acabou?

Não, de forma nenhuma. Dizer que a crise na Grécia acabou seria não falar seriamente. Estamos numa fase muito melhor e demos passos em frente, mas para que se possa dizer que a crise acabou, a Grécia tem de implementar sérias reformas estruturais e tornar a economia competitiva. Não se consegue de um momento para o outro. Precisamos de mudanças estruturais e de criar um plano de desenvolvimento para o país, que coloque como prioridade as vantagens competitivas do país.

Temos de olhar para o futuro, mas isso demora tempo. A situação está melhor do que estava antes, mas todos estes anos de sacrifícios resultaram em questões muito difíceis em vários domínios da nossa sociedade, que estão muito pior do que estavam antes do início da crise.

Temos também de enfrentar essas fraquezas da sociedade, tomar conta dessas pessoas, por um lado, e, por outro, orientar a atividade económica para onde o país tem vantagens competitivas. E, claro, atrair investimento direto estrangeiro. Estes três pontos, em conjunto com investimento público em infra-estruturas, poderão levar, a curto e médio prazo, a crescimento e prosperidade.

Diz que a Grécia está agora melhor. O que mudou nestes anos?

Quase 10 anos de crise significaram uma grande perda de riqueza e o fim de um enorme número de pequenas e médias empresas (PME). Se tivermos em conta que 95% da atividade económica do país é gerada por PME, é dramático. Isto levou a um disparo no desemprego, que chegou a mais de 25% e afetou especialmente os mais jovens.

Os jovens foram obrigados a procurar um futuro melhor fora do país. Houve um movimento enorme de emigração de jovens com grandes qualificações. A créme de la créme do potencial em termos de recursos humanos abandonou o país…

Quais são as cicatrizes que ainda se sentem na população e nas finanças públicas da Grécia?

Para a população, a elevada taxa de desemprego. Os mais afetados pela crise foram os mais pobres. Havia famílias inteiras a viveram da reforma da avó ou do avô…

De forma geral, os efeitos da crise nos serviços públicos e na esfera pública viram-se principalmente na protecão social e na qualidade das infra-estruturas do país. Ou seja, na falta de investimento. Foi assim até agora. Nos últimos anos, a situação tem vindo a melhorar e, se olharmos para as estatísticas, vemos isso mesmo. Este ano, espera-se uma crescimento da balança corrente pública. É esta a situação atual.

Mencionou a necessidade de mudanças estruturais e é responsável pela aconselhamento do Parlamento grego neste tópico. Quais são as principais áreas que vê como prioritárias?

Enquanto Conselho Económico e Social, temos vindo a trabalhar nas reformas estruturais e no estabelecimento das linhas mestras para o plano de desenvolvimento do país, em conjunto com os objetivos de desenvolvimento sustentável a que a Grécia está obrigada, no âmbito da estratégia das Nações Unidas até 2030. Consideramos como prioridades estimular o empreendedorismo, melhorar o ecossistema de investigação, orientar a formação para o mercado e as necessidades empresariais, investir em inovação tecnológica, e impulsionar a digitalização da economia. Estes são os principais temas que, se o país se esforçar em implementar, poderemos ver resultados a médio prazo.

São essas as recomendações com que estão atualmente a trabalhar com o Parlamento?

Sim. A digitalização e o empreendedorismo são cruciais para estimular os setores da economia em que temos vantagens competitivas e, também, para melhorar e tornar mais eficientes os serviços públicos. Este é o principal domínio dos nossos esforços. Mas não é o objetivo último. O que a Grécia precisa é de reformas e mudanças estruturais por forma a poder alcançar um ritmo de crescimento superior.

Quais são esses setores da economia que vê como mais propícios?

Turismo é um deles, sem dúvida, que já tem tido uma boa performance nos últimos anos, quebrando recordes ano após ano. Também a indústria é muito importante e o transporte marítimo de carga é um grande recurso do país. Todo o setor dos transportes é importante porque a Grécia acaba por ser um hub energético dada a sua posição geográfica. No continente, a proximidade dos Balcãs e da Europa de Leste levou a relações muito próximas de investimento.

Os setores e o potencial está lá, mas é preciso criar um ambiente favorável para os negócios e para a inovação. Nesse sentido, estamos também a apostar nas startups junto dos jovens que ficaram no país. Estão focados nos mercados estrangeiros já que o mercado grego é muito pequeno. Temos de ter uma abordagem nova e mais aberta em relação ao futuro. Penso que é esse o segredo porque temos muitos exemplos de países, como Portugal, que passaram por muito mas conseguiram recuperar.

Contacta diretamente com o tecido empresarial. Qual é o sentimento em relação ao futuro?

Enquanto Conselho Económico e Social, estamos integrados a nível europeu e temos três grupos na nossa composição: o primeiro são os trabalhadores, o segundo as confederações patronais e o terceiro a sociedade civil, incluindo organizações de mulheres ou ambientais, autoridades locais, etc. Temos 24 membros nos diversos níveis da sociedade, ou seja, temos uma grande representatividade e o nosso trabalho é estabelecer um diálogo no país bem como realizar relatórios em relação a todas as propostas de lei que vão para o Parlamento. Para isso, tem de haver consenso entre os 24 membros.

Não posso expressar o que cada um pensa, mas estou convicto que a nossa maior conquista foi conseguir que houvesse diálogo na sociedade grega em tempos tão difíceis. Sindicatos, confederações e membros da sociedade civil sentaram-se à mesma mesa e conseguiram debater juntos de forma muito positiva. Sem este consenso, teria sido muito difícil implementar qualquer tipo de reforma ou mudança.

A Grécia tem o maior rácio de dívida face ao produto interno bruto da zona euro. Espera que o governo grego considera diminuir a dívida sem mais medidas de austeridade?

Esta questão é muito política… Tenho uma opinião pessoal, mas prefiro não a partilhar. Estou bastante certo, no entanto, que a situação atual da nossa sociedade é tal que não há muito mais espaço para sacrifícios. Colocando em outros termos, os esforços têm de ser focados numa direção diferente: na criação de riqueza, no empreendedorismo, na iniciativa empresarial. E não é fazer a população sofrer ainda mais. Quando não há mais leite, seria matar a vaca.

O empreendedorismo é a chave para captar investimento direto estrangeiro?

Para captar investimento direto estrangeiro, mas também para inovar e avançar em direção ao futuro. Temos de aproveitar o potencial humano e qualificado dos jovens e dar-lhes a oportunidade de por em prática o que estudaram, de trabalhar e de ganhar dinheiro. Nesse sentido, é necessário investimento porque, neste momento na Grécia, a banca já não é o que era e é muito difícil de encontrar financiamento.